Sou muito sensível a datas. Hoje, enquanto escrevo, estou completando dez anos de trabalho na minha empresa. Voltam-me à memória muitas bênçãos recebidas e todo o crescimento profissional, que transbordou em muito, por exemplo, para minhas funções de marido e presbítero. Lembro que, depois de assinar o contrato, passei algum tempo ouvindo representantes dos diversos setores da empresa. Foi tudo muito instrutivo, mas me lembro em especial de um gerente já experiente e preocupado em dar aos novatos boas dicas para uma carreira promissora. Ele deu várias, mas só me ficou na memória uma delas, a primeira e mais importante: “Não fale mal de ninguém”.

Talvez fosse apenas um homem ímpio dando um conselho pragmático. Talvez não houvesse valor espiritual autêntico nisso. Mas havia um discernimento genuíno que nós, cristãos, frequentemente deixamos de alcançar, não só no contexto profissional, mas também no ambiente da igreja. Poucos pecados têm tanto potencial para destruir uma igreja ou ministério. Por quê? Por um lado, é um mandamento muito óbvio. Conheço crentes verdadeiros seriamente convencidos de que não é pecado se masturbar, mas nunca conheci algum que não tenha visto problema ao saber que alguém falou mal dele. Por outro lado, os pretextos que pretendem justificar exceções à regra são tão abundantes que é fácil, de exceção em exceção, tornar-se um maledicente contumaz sem jamais se dar conta disso.

Naturalmente, não é um pecado que conheço por via teórica. Já pedi perdão a alguns irmãos por ter falado mal deles e a outros por ter permitido que terceiros o fizessem em minha presença. Ainda assim, a gravidade desse pecado me ficou especialmente clara a partir do momento em que fui ordenado presbítero, e isso de duas maneiras. Primeiro, os irmãos passaram a se sentir mais inclinados a confiar em mim e confessar seus pecados (o que é bom); mas a disposição de confessar pecados de outras pessoas também aumentou muito, trazendo novos e complicados desafios à minha limitada sabedoria. Segundo, percebi melhor o peso de minha autoridade pastoral: o respeito dos irmãos por mim era uma espada de dois gumes, e eu podia facilmente inflamá-los uns contra os outros, mesmo sem perceber.

Confesso que cheguei a ter saudades de quando meus deslizes com a língua eram apenas as bobagens de um jovem, e não ameaças de escândalo e divisão sobre toda a igreja. Foi nesse ponto que entrei no espírito de Tiago, que escreveu: “Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1). Então entendi por que a sequência do texto tinha de ser esta: “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (v. 2). Muito natural, já que a liderança na igreja é exercida precisamente com a língua. A dolorosa dissertação sobre esse órgão culmina no ponto de nosso interesse imediato: “Com ela, bendizemos o Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (v. 9). É impossível não se lembrar dos dois grandes mandamentos. A igreja é um lugar onde ninguém fala mal de Deus, mas o segundo grande mandamento é, nas palavras do Senhor, “semelhante” ao primeiro em um sentido mais profundo do que supomos.

Estou falando do “alto” de minha experiência como presbítero (mas ninguém inveje uma altura que dá vertigens), e de fato o pecado em questão é tanto mais grave quanto maior for a autoridade de alguém, pois o modelo funciona para o bem e para o mal. Mas é claro que cada membro de uma igreja tem uma parcela nada desprezível na árdua luta por sua paz. Deve ser em parte por isso que, agora percebo, a Bíblia está cheia de injunções sobre esse tema, que geralmente passam despercebidas a despeito de sua abundância. Cito apenas o próprio Tiago: “Pois, onde há inveja e sentimento faccioso, aí há confusão e toda espécie de coisas ruins. A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento” (v. 16-17). Cada um desses oito adjetivos tem relevância direta para quem quer vigiar seu coração quanto a isso. Gaste um minuto de seu tempo pensando em sua conduta à luz de cada uma dessas palavras. Duvido que sua vida em comunidade será a mesma depois disso. No mínimo, começará a deixar de ser.

Não pretendo negar que haja situações em que de fato é necessário conversar sobre os pecados de pessoas na ausência delas. Os concílios da igreja precisam tratar de processos disciplinares; é preciso discutir as qualificações dos irmãos para os cargos; um crente pode precisar fazer uma denúncia, pedir apoio pastoral para se reconciliar com alguém, ou esclarecer fatos sobre terceiros para ser ajudado em seus próprios pecados e desafios; conversas podem tomar rumos inesperados que tornem moralmente obrigatório se posicionar sobre o que alguém fez de errado. Mas tais situações, por sua própria natureza, são raras e devem ser evitadas ao máximo; quem se vê envolvido nelas deve falar o mínimo possível, com temor e tremor. Se o assunto é tratado com prazer ou indiferença, se é um hábito frequente, se há alvos preferenciais ou público cativo, em que cada grupo se mune de pretextos para se elevar às custas do rebaixamento alheio, então, sem dúvida, há algo muito errado, apenas dissimulado pelo que possa haver de correto.

Há um bom critério bíblico para julgar tantas situações e o desempenho das pessoas, sobretudo o nosso. Tiago conclui o capítulo falando disso: “Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz” (v. 18). “Não fale mal” é uma injunção negativa e específica; o princípio mais geral é: seja um pacificador. A questão é se desejamos promover a paz e se somos bons nisso. Quando converso sobre um irmão com outros irmãos, eu contribuo para aproximá-los ou para afastá-los? Os corações dos ouvintes são movidos a admirar as qualidades desse irmão? A suportar com mais paciência seus pecados? A gastar tempo em oração sincera e dolorida por ele? A desejar estar com ele? Se não for assim, estamos usando a língua que Deus nos deu para dividir a igreja de Cristo, tornando-nos aquela sétima coisa que a alma de Deus abomina: “Seis coisas o Senhor aborrece, e a sétima a sua alma abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que trama projetos iníquos, pés que se apressam a correr para o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que semeia contendas entre irmãos” (Pv 6.16-19).

Em contraste com isso, Jesus nos oferece a honra de ser chamados filhos de Deus por atuar como pacificadores (Mt 5.9). Várias das lembranças mais gratas do meu trabalho pastoral são de momentos em que me sentei com duas pessoas, simultaneamente ou não, para tentar reconciliá-las. Nem sempre consegui, mas garanto que poucas alegrias da vida cristã são comparáveis a essa. Se você está no time dos facciosos, saiba que esse é o lado mais triste, mas Jesus pode transformar contendedores em pacificadores. Comece com pequenas grandes coisas: busque sua própria reconciliação. Até lá, e a partir de então, não fale mal de ninguém.

Autor: André Venâncio

Fonte: Voltemos ao Evangelho

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