Provavelmente você já conheça a história da mulher samaritana que foi encontrada por Jesus ao lado de um poço. Lendo o texto rapidamente podemos perceber que o diálogo entre Jesus e uma mulher de Samaria gira em torno da sede, a necessidade da água, o lugar onde se devemos adorar a Deus, a pergunta sobre o Messias (que é Jesus). Essa história acaba com um grupo de samaritanos que, movidos pelas palavras e testemunho dessa mulher, vai ao encontro de Jesus e acredita nele como o Salvador do mundo.
Lendo evangelho de João percebemos que a simbologia da água aparece em vários momentos e com sentidos diferentes. Podemos dizer que há águas que são imperfeitas e provisórias porque fazem referência a uma determinada situação: a água que converte ou que purifica, a água que sacia a sede ou que cura, e a água Viva que só Jesus pode nos dar e que permanece para sempre gerando Vida em nós e através de nós.
João Batista, o profeta que comia gafanhotos e mel silvestre enquanto pregava arrependimento no deserto, realizava batismos nas águas do Jordão. É um batismo de purificação e de conversão que preparava as pessoas para receberem o Messias esperado. É uma prática que não atinge a verdadeira liberdade interior, mas antecipa outra realidade que deve vir. Como ele mesmo disse: “Eu sou uma voz gritando no deserto: ‘Aplainem o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías”.
Nas bodas de Caná a água também aparece em diversos momentos da história. Primeiramente como resposta de Jesus ao pedido de Maria, em que Jesus manda encher de água os potes que serviam para os ritos de purificação dos judeus. Logo depois aparece como “água transformada em vinho” e, finalmente, há uma menção à origem da água (João 2,9). Nessa história a água é o elemento escolhido por Jesus para ser transformado. Os potes foram cheios, mostrando assim que não há uma quebra com o passado senão uma continuidade. A água é necessária porque fundamenta a nova realidade que traz Jesus para nós. É uma água conhecida na sua origem, mas que será transformada. Podemos dizer então que é uma água necessária, mas imperfeita.
Os ritos de conversão – batismo de João – e purificação a que se faz referência já não são suficientes e Jesus traz uma nova realidade.
Para entendermos melhor a primeira história que citei aqui, precisamos imaginar uma mulher que ao meio-dia, como de costume, vai até aquele poço procurando água. Mas no caminho ela vê que junto ao poço há um homem sentado. Ela chega ao poço e o homem pede água. Como é possível que este homem fale com ela? Ele é judeu! Para essa mulher isso não pode ser possível e por isso escutamos como resposta: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?”.
Na conversa com Jesus percebemos o desconcerto daquela mulher por esse diálogo que Jesus começou e ainda com um pedido. Naquela épica um homem não poderia falar com uma mulher a sós. Ela não O compreende. Ele pede água, mas diante da surpresa dela expressada na sua resposta Ele oferece outra água: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva”.
Como é possível fazer isso? Ele não tem ferramentas e não tem como tirar a água de um poço que é fundo. Ela procura fazer percebido seu desconhecimento das tradições: “Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?”. A mulher fundamenta na tradição dos patriarcas do seu povo e do poço sua resposta. Ela sabe quem são seus antepassados e conhece sua história.
Para entender melhor essas palavras, precisamos lembrar que nas tradições hebraicas antigas há vários textos que fazem referência a Moisés e à simbologia do poço. Diz que assim como Moisés, o primeiro redentor, fez brotar água do poço, o último redentor faria brotar água eternamente. E na cultura do povo samaritano a simbologia do poço faz referência à Lei e à sabedoria que brota dele como um manancial de água viva que alimentará sua vida para sempre.
Essa mulher ama seu lugar de culto, sua terra, sua história, e no diálogo com Jesus justifica suas terras, seus costumes e práticas. No desenvolvimento dessa conversa percebemos premissas que recolhem a história patriarcal. Mas essa história favorece a separação dos povos e assim cada um justifica seu agir social e religioso. Os judeus não se relacionam com os samaritanos porque são considerados dois reinos separados.
Nesse momento Jesus está sentado junto ao poço com a promessa de dar uma água que saciará toda e qualquer sede. A água do poço de Jacó já não sacia mais a sede profunda. A descrição de Jesus sentado “à borda do poço” sinaliza que Jesus não está acima da Lei e apresenta uma continuidade entre a presença de Israel, sua história e sua espera na promessa de Deus. Com Jesus já não se precisa mais da água deste poço nem de outro. A água que ele oferece não brota deste poço, nem de outro. É uma água que tem algumas características: brota da Sua própria pessoa, sacia a sede para sempre e se torna, dentro da pessoa, uma “fonte que jorra para a vida eterna”. Cada pessoa se converterá num manancial de vida que brota para a vida eterna.
Quando a samaritana experimenta essa realidade já não precisa mais de um cântaro para tirar a água e por isso ela “deixou o balde” e vai correndo à cidade para anunciar aos seus a novidade do Messias no meio deles. Junto ao poço que era fundo e isso dificultava para tirar água, a mulher samaritana encontra uma fonte de água viva que jorra no seu interior, sem necessidade de cântaro, porque brota da sua mesma interioridade. Já não precisará procurar novos poços para procurar água. A promessa de Jesus é realizada nessa conversa-encontro com Ele.
Que hoje possamos deixar esse relato ecoar no nosso interior. Recebamos o pedido do Senhor da nossa água limitada e pobre, e entregando a nossa fraqueza e nossa história nos rendamos para receber sua promessa da Água Viva que jorra como um manancial eternamente.
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