Caminhando Jesus e os seus discípulos, chegaram a um povoado, onde certa mulher chamada Marta o recebeu em sua casa. Maria, sua irmã, ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muito serviço. E, aproximando-se dele, perguntou: “Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude!” Respondeu o Senhor: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”.

Lc 10.38-42

É sempre assim. As pessoas se aproximam de Jesus ou para pedir e receber bênçãos (Jo 6.2), ou então para criticá-lo (Lc 15.2) e reclamar dos outros (Lc 10.40). Ops! Isso é só meia verdade (se é que isso é possível!), pois há, sim, pessoas que se aproximam de Jesus tão somente para ouvir o que ele tem a dizer (Lc 10.39; 15.1). No meio da multidão que pede sinais e prodígios sempre há aqueles que escolhem a boa parte: a Palavra, a voz de Deus.

Quando Deus fez o homem, ele não apenas engendrou na mente e na carne humana a fome da Palavra. Pelo contrário, Deus fez do homem a própria fome e a necessidade da Palavra. Por isso, a rigor, o homem não tem fome, ele é fome! Ele é necessidade! Faz parte de sua natureza buscar a satisfação. E apenas a Palavra pode satisfazer os homens que tanto a procuram, até mesmo aqueles que não sabem que ela é o que tanto procuram e não encontram. Sem a Palavra, o homem é e continuará sendo mera insatisfação; sem a Palavra, será sempre uma garganta sequiosa e faminta, ávida para ser satisfeita. Não é apenas uma parte do homem que deseja a voz de Deus. O homem como um todo é desejo pela Palavra. Tudo o que somos é fome e desejo da Palavra.

Somos um desejo habitado por vários desejos, e cada desejo tem seu correlato. Por exemplo, o desejo de comer uma deliciosa torta de morango tem como correlato “uma deliciosa torta de morango”. Qualquer coisa que não seja uma deliciosa torta de morango não satisfará o “desejo por uma deliciosa torta de morango”. Isso implica que os desejos pelas coisas da terra são satisfeitos apenas pelas coisas da terra, e os desejos pelas coisas do céu só são satisfeitos pelas coisas do céu. A frustração vem quando os correlatos oferecidos não correspondem às expectativas geradas. No caso do desejo pela Palavra, a frustração é inevitável quando se oferece qualquer coisa que não seja ela.

Não só de pão vive o homem (Mt 4.4). Ele precisa de muito mais; ele necessita da Palavra para ser satisfeito em sua necessidade espiritual mais básica. Sem ela, ele não é e jamais será o homem que Deus quer que ele seja. Sem ela, o homem não passa de um projeto minuciosamente arquitetado. Em contrapartida, com a Palavra, o homem se torna um canteiro de obras, onde Deus realiza esse projeto arquitetado desde a fundação do mundo.

A identidade do homem que busca a satisfação na Palavra é moldada pela própria Palavra. Na Palavra, ele escuta a voz do Servo do Senhor (Is 50.10-11). Nela, o homem cria coragem e apaga todas as luzes, e, mergulhado nas densas trevas, sem luz nenhuma, é guiado tão somente pela voz de Deus. As trevas não impedem os passos do homem guiado pela Palavra. A voz de Deus é a lâmpada dos seus pés (Sl 119.105).

Por isso, o homem que deseja andar nas trevas, sem luz nenhuma, deve aprender primeiro a ajoelhar-se. Em silêncio, o homem cativo da Palavra se humilha, e ajoelhado escuta a voz de Deus. É nisso que está a boa parte de toda a história de sua vida, a parte que jamais lhe será tirada e que ele recebe sempre que está em silêncio e aos pés de Cristo. A boa parte sempre é a Palavra. E o homem que tem a boa parte sabe que o que Deus tem para dizer é sempre mais importante do que qualquer coisa que se queira dizer.

 

Autor: Jonas Madureira
Fonte: https://jonasmadureira.com/2012/05/23/a-boa-parte/