John Wycliffe nasceu em Yorkshire (Inglaterra) provavelmente no ano de 1330. Com 18 anos, iniciou seus estudos em teologia, filosofia e legislação canônica no Balliol College, na Universidade de Oxford. Aos 26 anos tornou-se mestre daquela universidade. Em 1361 foi ordenado pela Igreja Católica, passando a exercer a função de vigário em Fillingham e, em seguida, de pároco em Lutterworth. Recebeu o título de doutor em algum momento entre 1372 e a384, quando se tornou um dos mais brilhantes teólogos e filósofos de sua época.
Wycliffe viveu entre a época do cativeiro babilônico do papado – quando a sede da Igreja Católica foi transferida para Avignon, na França – e o início do Grande Cisma – que começou em 1378, quando dois papas rivais tentaram exercer autoridade concomitantemente.
Na posição de professor universitário (e, consequentemente, devendo submissão a coroa e autoridade papal), Wycliffe desferiu duras críticas ao clero católico e ao próprio sistema de governo civil.
Em seu entendimento, assim como o poder espiritual tinha seus limites, o temporal também os tinha. Ele argumentou que apenas um governante piedoso poderia exercer a autoridade corretamente e que os governantes ímpios não teriam autoridade legítima, sejam eles nobres, reis ou papas.
Também foi um dos primeiros a denunciar a corrupção na Igreja Católica e a anunciar a tese (que depois seria amplamente defendida por Martinho Lutero) de que qualquer um que tivesse fé poderia ter a salvação eterna, sem necessariamente ter que se dedicar ao cultivo das virtudes e às boas obras. Confrontou a venda de indulgências, que eram comercializadas para supostamente libertar as pessoas do castigo do purgatório.
Outra de suas críticas, mais de viés teológico, tinha como alvo a doutrina da transubstanciação no ritual eucarístico. Para o teólogo, não havia alteração física no pão e no vinho quando utilizados pelo sacerdote.
Outro ponto importante das críticas de Wycliffe foi a defesa da autoridade suprema das Escrituras e da não interferência da opinião papal sobre a Bíblia e a tradição cristã. Esse princípio atacava a autoridade do papa como sendo sucessor do apóstolo Pedro e portador da “chave da Igreja”. Wycliffe chegou a qualificar alguns papas de anticristos por conta disso.
Um de seus principais tratados foi o De veritate Sacrae Scripturae (Da veracidade nas Sagradas Escrituras), publicado em 1378. Para Wycliffe, ao contrário do papa, as Escrituras eram infalíveis. A pregação do Evangelho teria mais valor do que a administração de qualquer sacramento. Essa tese influenciou tanto o luteranismo quanto o calvinismo e suas ramificações. Outros escritos de Wycliffe incluíam tratados de lógica e metafísica, além de livros e sermões teológicos.
Por conta dos muitos inimigos adquiridos no decorrer da vida, Wycliffe esteve encarcerado em casa por vários meses, mas com permissão para continuar escrevendo livros, cada vez mais agressivos.
Uma das suas últimas ações foi traduzir a versão em latim da Bíblia (produzida por Jerônimo) para o inglês (tal como o faria Lutero, ao traduzi-la para o alemão no século XVI). Segundo Wycliffe, o melhor caminho para prevalecer na luta contra a autoridade abusiva do catolicismo era tornar a Palavra acessível às pessoas em sua própria língua.
Ele escreveu até sofrer um derrame cerebral, em 1384. No mesmo ano, acabou falecendo. Seus ensinos foram condenados pelo Concílio de Constança (1414-1418). Nele, ordenaram que seus escritos fossem destruídos, exumaram seus restos mortais, queimaram e lançaram as cinzas no rio Swift, achando que assim poderiam apagar o legado de Wycliffe.
O pré-reformador foi contemporâneo dos embates teológicos e filosóficos nominalistas, que influenciariam grandemente o pensamento moderno, inclusive o teológico/reformista. Vários de seus discípulos – os lolardos (ou “pregadores pobres”) – se dedicaram a divulgar suas doutrinas entre o povo, o que gerou perseguição por parte da igreja romana. Mas isso não poderia frear a fome pela Palavra de Deus.
No próximo mês estudaremos a vida de outro pré-reformador: Jan Huss.
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