Richard Baxter, pastor puritano inglês do século XVII e – por algum tempo – médico leigo, conhecia bem os problemas de seus paroquianos. Seu conselho aos cristãos que sofrem de ansiedade e depressão, aguda ou crônica, continua tão relevante e útil hoje quanto quando ele escreveu seu conselho há quase quatrocentos anos.

Baxter sabia que o desespero e a ansiedade podem surgir de forma aguda devido a circunstâncias, complicações em relacionamentos importantes ou outros fatores. Essas aflições também podem ser decorrentes de condições físicas, que Baxter reconheceu como distúrbios médicos de boa-fé. Ele oferece uma ampla gama de conselhos para cristãos deprimidos e ansiosos, desde casos leves até os mais graves.

O conselho de Baxter se concentra especialmente em nossos pensamentos sobre Deus e em como pensamentos errados sobre Deus podem causar ou aprofundar a depressão e a ansiedade. Ele também mostra como a correção de nossos pensamentos e comportamentos pode nos ajudar a suportar nossas condições de provação com mais graça e, por fim, encontrar alívio para elas. Considere apenas alguns exemplos de conselhos específicos de Baxter para aqueles que estão em meio à ansiedade e à depressão.

1. Pensar muito sobre a misericórdia.

Pense e fale tanto sobre a misericórdia que você recebeu quanto sobre o pecado que cometeu. Da mesma forma, concentre-se tanto na misericórdia oferecida quanto na misericórdia de que você precisa.

“O Senhor é fiel em todas as suas palavras e santo em todas as suas obras“, diz o salmista (Salmo 145.13b). Baxter argumentou que quando temos uma apreciação invertida dos dons de Deus – esquecendo sua fidelidade e bondade – vemos a quantidade de misericórdia que precisamos como mais significativa do que a quantidade de misericórdia que Deus oferece.

Mas a misericórdia que Deus nos oferece em Cristo é muito maior do que a misericórdia de que precisamos, a qual deve prevalecer sobre nossas preocupações ou tristezas. Nossas imaginações serão restringidas ou distorcidas pela preocupação e dúvida, particularmente em meio à ansiedade e depressão, mas serão ampliadas pelo que Deus diz sobre si mesmo (Efésios 3.20).

2. Reflita sobre a infinita amabilidade de Deus.

Quando você se debruçar sobre o conteúdo de seu coração para verificar se o amor de Deus está lá ou não, seria mais sensato pensar na infinita amabilidade de Deus. 

Na época de Baxter, a consciência do pecado e de sua gravidade era evidente entre aqueles que desejavam levar uma vida cristã. Os crentes genuínos eram frequentemente assolados por sérias dúvidas sobre se as promessas de salvação se estendiam ou não a eles pessoalmente, embora tivessem muito menos dificuldade em acreditar nos princípios do Evangelho em geral.

Talvez o exemplo mais famoso dessa dúvida seja expresso por John Bunyan, contemporâneo de Baxter, em sua autobiografia Graça abundante ao principal dos pecadores. Em seu caminho para a paz final com Deus por meio de Cristo, Bunyan lutou intensamente – não por apenas horas, dias, meses, mas por anos – antes de ver que a obra de Cristo era útil até mesmo para John Bunyan. Foi uma provação agonizante para ele. Mas, correndo o risco de fazer um resumo muito curto da luta de Bunyan, pode-se dizer que ele se concentrou tanto em seu pecado que subestimou a amabilidade e a generosidade de Deus.

Os cristãos do século XXI parecem lutar menos contra o senso de gravidade do pecado do que os cristãos da época de Baxter. Como cultura, parece que somos propensos a lutar mais com nosso sofrimento do que com nossa pecaminosidade. A adversidade para o cristianismo ocidental, no entanto, questiona os mesmos atributos de Deus com os quais Bunyan lutava. “Se Deus é tão bom, por que ele não …?” O conselho de Baxter continua sendo tão aplicável às nossas distorções ocidentais do caráter de Deus quanto era para Bunyan.

Portanto, como Baxter escreve: “Quando você pensar em coisas sagradas, que seja nas melhores coisas: em Deus e na graça, em Cristo, no céu, em seus irmãos ou na igreja” (Ibid., pág. 89). Pense muito na amabilidade de Deus no evangelho de Seu Filho.

3. Louvar e agradecer mais do que confessar.

Comprometa-se a dedicar diariamente uma parte tão grande de suas orações para confessar a misericórdia recebida quanto para confessar o pecado cometido, e para louvar a Deus quanto para lamentar suas próprias misérias. 

Baxter lembrou a seus paroquianos deprimidos e ansiosos que nosso dever de agradecer e louvar pelo perdão supera nosso dever de confessar nosso pecado, miséria e reclamações. Sem negligenciar o último, podemos ampliar o primeiro, pois isso tenderá a aliviar nossa preocupação e elevar nosso espírito. “Se você não puder mencionar a misericórdia com tanta gratidão quanto gostaria ou mencionar as excelências de Deus com o grau de devoção e louvor que gostaria”, continuou Baxter, “mesmo assim, faça o que puder e mencione-as conforme for capaz”.

4. Mantenha-se o mais ocupado possível.

Certifique-se de manter-se constantemente ocupado – tanto quanto suas forças permitirem – nos trabalhos diligentes de uma vocação legítima, e não perca tempo precioso na ociosidade.

A ociosidade oferece uma oportunidade para o diabo, insiste Baxter, e tenha certeza de que ele a explorará se você der brecha. Cada um de nós tem um dever, que Deus nos chama a cumprir da melhor forma possível. Se, em vez disso, “insistirmos em ficar em um canto e pecarmos contra Deus por meio da ociosidade e da perda de tempo”, apenas “contribuiremos para nossa própria miséria”.

A ansiedade e a depressão podem parecer desculpas válidas para negligenciarmos nossos deveres. Embora possamos ser dispensados dos assuntos que estão genuinamente além de nossa capacidade no momento, isso não quer dizer que não tenhamos obrigações ou que não precisemos nos envolver em qualquer coisa que consideremos desagradável ou de mau gosto. Baxter argumenta que fazer o pouco que podemos fazer nos permitirá fazer, posteriormente, o que não podemos fazer agora.

5. Lembre-se do que agrada ao diabo.

Observe cuidadosamente o quanto o Diabo se deleita em confiná-lo a pensamentos tristes e desanimadores. Assim, você poderá ver facilmente que esse foco não pode ser seu dever ou seu melhor interesse se for tão útil e agradável ao Diabo.

Embora Paulo presuma que seus leitores “não ignoram” as táticas de Satanás (2 Coríntios 2.11), nem sempre estamos tão cientes quanto seus leitores originais. Na verdade, talvez deixemos o diabo bem fora de nossos cálculos. Embora existam perigos inerentes ao foco excessivo no diabo, existem perigos diferentes, mas ainda significativos, ao ignorá-lo. Se nos encontrarmos dizendo ou fazendo coisas que poderiam agradar somente ao inimigo, devemos parar e recorrer a exemplos de autoexortação em meio à adversidade.

Davi, por exemplo, procura se assegurar do que não deve ter sido totalmente evidente, ou seja, que ele tinha motivos contínuos para ter esperança em Deus e que poderia esperar, em algum momento futuro, “louvá-lo novamente” (Salmo 42.5, 11; 43.5). Às vezes, encher nossa boca com as palavras certas impedirá que os pensamentos errados entrem em nossa cabeça.

6. Deixar para trás os pensamentos negativos acerca do amor de Deus.

Seus pensamentos baixos sobre Deus o impedem de amá-lo e o inclinam a odiá-lo ou a fugir dele como se foge de um inimigo. Enquanto isso, o Diabo deturpa sua visão de Deus lhe fazendo entender que Deus te odeia.

Embora poucos cristãos sejam tentados hoje em dia a aplicar Malaquias 1:3 (“odiei Esaú”) a si mesmos, há maneiras mais sutis de questionar a sinceridade de Deus em relação às promessas feitas no Evangelho. Imaginar que Deus pretende nos prejudicar em vez de nos fazer bem é uma tentação frequente, e é mais comum ceder a ela do que imaginamos. Ela é regularmente encoberta por uma raiva ligeiramente disfarçada, talvez contra o representante de Deus ou contra nossas circunstâncias (sua providência). O povo de Deus, deprimido e ansioso, costuma imaginar que Deus é um inimigo, não um amigo.

Lembrar e contar as obras maravilhosas de Deus é um antídoto para essa atitude. Asafe, aquele maravilhoso conselheiro para os desanimados, fala de seu próprio desânimo. Ele se preocupa: “Rejeitará o Senhor para sempre, e nunca mais será favorável? Terá cessado para sempre o seu amor inabalável?” (Salmo 77.7-8). Mas então ele decide refletir sobre a bondade do Senhor no passado: “Eu me lembrarei dos feitos do Senhor; sim, eu me lembrarei de suas maravilhas da antiguidade. Ponderarei toda a tua obra e meditarei nos teus feitos poderosos” (Salmo 77:11-12). Esse é um ato muito intencional da parte de Asafe: ele deseja se lembrar e, portanto, o faz. E, imediatamente, o tom desse salmo muda para um tom de esperança (Salmo 77:13-20). Podemos e devemos fazer o mesmo e esperar recuperar a esperança de maneira semelhante.

7. Buscar uma cura completa.

Esforce-se para curar sua doença, entregue-se aos cuidados de seu médico e obedeça a ele. Não seja como a maioria das pessoas deprimidas, que não acreditam que a medicação lhes fará bem, mas que acham que é apenas a alma que está perturbada.

A depressão e a ansiedade persistentes e profundas geralmente refletem doenças somáticas (ou seja, físicas). Uma abordagem abrangente buscará corrigir pensamentos distorcidos sobre Deus e sobre si mesmo e também recomendará o encaminhamento a um médico qualificado quando necessário. Muitas vezes, uma combinação de aconselhamento espiritual sólido e medicação apropriada é necessária para a recuperação da ansiedade e da depressão.

O convite de Jesus, “Tragam-no a mim” (Marcos 9.19), é o seu chamado para que levemos a nós mesmos e a nossos entes queridos a ele, e para que estejamos preparados para fazer o que ele ordenar. Para um deles, foi “Vá, lave-se no tanque de Siloé” (João 9.7). Para outros, foi “Ide e mostrai-vos aos sacerdotes” (Lucas 17.14). Muitas das curas aconteceram instantaneamente, mas outras aconteceram depois que alguém saiu da presença de Jesus em obediência à sua ordem. “E, indo eles, ficavam limpos” (Lucas 17:14).

A questão aqui é que os meios que Deus escolhe para promover a cura dependem dele. Às vezes, ele usa outras pessoas, inclusive médicos, pastores e amigos. Deus pode curar, e de fato cura, sem nenhum intermediário humano ou farmacológico. Porém, não devemos exigir que ele nos cure de acordo com nossos termos ou cronograma.

8. Mergulhe sua alma nas maravilhas da misericórdia.

Não negligencie o milagre do amor que Deus nos mostrou na maravilhosa encarnação, ofício, vida, morte, ressurreição, ascensão e reinado de nosso Redentor. Em vez disso, mergulhe seus pensamentos principalmente nessas maravilhas da misericórdia, ordenadas por Deus para serem a substância principal de seus pensamentos. 

Jesus estava feliz por ser conhecido como o “amigo dos … pecadores” (Mateus 11.19). Reivindique sua amabilidade, imponha-se a ela e busque conforto nela. Ela pode ser encontrada onde é mais necessária, como nos foi dito: “O amigo ama em todo tempo, e o irmão nasce para a adversidade” (Provérbios 17.17).

Isso revela minhas raízes presbiterianas, mas confesso que tenho a tendência de ver os atributos de Deus mais na linha daqueles que ficaram famosos na resposta do Catecismo Breve de Westminster à pergunta “O que é Deus?”. O catecismo responde: “Deus é um Espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade”. O amor está visivelmente ausente dessa formulação cuidadosa dos atributos de Deus, assim como a amabilidade. Baxter, um contemporâneo dos divinos da Assembleia de Westminster que compuseram o catecismo, escolheu, com razão, penso eu, falar de amabilidade ao oferecer encorajamento aos crentes ansiosos e desanimados.

Assim, conforme formos capazes, devemos nos esforçar para trazer todos os nossos pensamentos deprimidos e ansiosos para esse Redentor amigável. “Nunca pense apenas no pecado e no inferno”, escreve Baxter, “mas como o caminho para pensamentos sobre Cristo e a graça… Seus pecados estão sempre diante de você? Por que não também a graça perdoadora de Cristo? O inferno está aberto diante de você? Por que o Redentor não está também diante de você?”.

Podemos recuperar a perspectiva por meio de uma visão renovada de Deus como bom, gentil, amoroso e, sim, amável. Podemos combater o desânimo e a depressão e evitar o desespero refletindo sobre os muitos e bons motivos que nos foram dados para ter esperança e fé. “Quem é sábio atente para essas coisas e considere as misericórdias do Senhor.” (Salmo 107.43).

Autor: Michael S. Lundy

Fonte: Voltemos ao Evangelho

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