A doutrina da Trindade é fundamental para a fé cristã. É crucial para entender adequadamente como Deus é, como Ele se relaciona conosco e como devemos nos relacionar com Ele. Mas também levanta muitas questões difíceis. Como Deus pode ser um e três? A Trindade é uma contradição? Se Jesus é Deus, por que os Evangelhos registram casos em que ele orou a Deus?

Embora não possamos entender completamente tudo sobre a Trindade (aliás, há varias outras coisas que não entendemos por completo), é possível responder a perguntas como essas e chegar a uma compreensão sólida do que significa para Deus ser três em um.

Um Deus, Três Pessoas

A doutrina da Trindade significa que há um Deus que existe eternamente como três Pessoas distintas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Dito de outra forma, Deus é um em essência e três em pessoa. Essas definições expressam três verdades cruciais: (1) o Pai, o Filho e o Espírito Santo são Pessoas distintas, (2) cada Pessoa é plenamente Deus, (3) há apenas um Deus.

O Pai, o Filho e o Espírito Santo são Pessoas distintas

A Bíblia fala do Pai como Deus (Filipenses 1.2), Jesus como Deus (Tito 2.13) e o Espírito Santo como Deus (Atos 5.3-4). Essas são apenas três maneiras diferentes de olhar para Deus, ou simplesmente maneiras de se referir a três papéis diferentes que Deus desempenha? A resposta deve ser não, porque a Bíblia também indica que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são Pessoas distintas.

Por exemplo, uma vez que o Pai enviou o Filho ao mundo (João 3.16), ele não pode ser a mesma pessoa que o Filho. Da mesma forma, depois que o Filho voltou ao Pai (João 16.10), o Pai e o Filho enviaram o Espírito Santo ao mundo (João 14.26; Atos 2.33). Portanto, o Espírito Santo deve ser distinto do Pai e do Filho.

No batismo de Jesus, vemos o Pai falando do céu e o Espírito descendo do céu na forma de uma pomba quando Jesus sai da água (Marcos 1.10-11). João 1.1 afirma que Jesus é Deus e, ao mesmo tempo, que ele estava “com Deus”, indicando assim que Jesus é uma Pessoa distinta de Deus Pai (ver também João 1.18). E em João 16.13–15, vemos que, embora haja uma estreita unidade entre as três pessoas, o Espírito Santo também é distinto do Pai e do Filho.

O fato de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são Pessoas distintas significa, em outras palavras, que o Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito Santo e o Espírito Santo não é o Pai. Jesus é Deus, mas não é o Pai ou o Espírito Santo. O Espírito Santo é Deus, mas não é o Filho nem o Pai. São Pessoas diferentes, não três maneiras diferentes de olhar para Deus.

A pessoalidade de cada membro da Trindade significa que cada Pessoa tem um centro de consciência distinto. Assim, eles se relacionam pessoalmente – o Pai se considera como “eu”, enquanto considera o Filho e o Espírito Santo como “você”. Da mesma forma, o Filho se considera “eu”, mas o Pai e o Espírito Santo como “você”.

Muitas vezes é objetado: “Se Jesus é Deus, então ele deve ter orado a si mesmo enquanto estava na terra”. Mas a resposta a essa objeção está em simplesmente aplicar o que já vimos. Embora Jesus e o Pai sejam ambos Deus, são Pessoas distintas. Assim, Jesus orou a Deus Pai sem orar a Si mesmo. Na verdade, é precisamente o diálogo contínuo entre o Pai e o Filho (Mateus 3.17; 17.5; João 5.19; 11.41–42; 17.1ss) que fornece a melhor evidência de que são Pessoas distintas com centros de consciência distintos.

Às vezes, a Pessoalidade do Pai e do Filho é apreciada, mas a Pessoalidade do Espírito Santo é negligenciada. Às vezes, o Espírito é tratado mais como uma “força” do que como uma Pessoa. Mas o Espírito Santo não é “algo”, mas sim “alguém” (ver João 14.26; 16.7–15; Atos 8.16). O fato de que o Espírito Santo é uma Pessoa, não uma força impessoal (como a gravidade), também é mostrado pelo fato de que ele fala (Hebreus 3.7), raciocina (Atos 15.28), pensa e entende (1 Coríntios 2.10-11), deseja (1 Coríntios 12.11), sente (Efésios 4.30) e dá comunhão pessoal (2 Coríntios 13.14). Todas essas qualidades são inerentes à pessoalidade.

Além desses textos, os outros que mencionamos acima deixam claro que a Pessoalidade do Espírito Santo é distinta da Pessoalidade do Filho e do Pai. São três pessoas reais, não três papéis que Deus desempenha.

Outro erro grave que as pessoas cometeram é pensar que o Pai se tornou o Filho, que então se tornou o Espírito Santo. Ao contrário disso, as passagens que vimos implicam que Deus sempre foi e sempre será três Pessoas. Nunca houve um tempo em que uma das Pessoas da Trindade não existisse. Os três são eternos.

Embora os três membros da Trindade sejam distintos, isso não significa que um seja inferior ao outro. Em vez disso, todos eles são idênticos em atributos. Eles são iguais em poder, amor, misericórdia, justiça, santidade, conhecimento e todas as outras qualidades.

Cada Pessoa é plenamente Deus

Se Deus é três Pessoas, isso significa que cada Pessoa é “um terço” de Deus? A Trindade significa que Deus está dividido em três partes?

A doutrina da Trindade não divide Deus em três partes. A Bíblia é clara que todas as três Pessoas são cada uma cem por cento Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são plenamente Deus. Por exemplo, Colossenses 2.9 diz de Cristo: “Nele habita em forma corporal toda a plenitude da divindade”. Não devemos pensar em Deus como uma “torta” cortada em três pedaços, cada peça representando uma Pessoa. Isso tornaria cada Pessoa menos do que totalmente Deus e, portanto, não Deus. Pelo contrário, “o ser de cada pessoa é igual a todo o ser de Deus” (Grudem, Teologia sistemática, Edições Vida Nova). A essência divina não é algo que é dividido entre as três pessoas, mas está plenamente em todas as três pessoas sem ser dividido em “partes”.

Assim, o Filho não é um terço do ser de Deus; ele é todo o ser de Deus. O Pai não é um terço do ser de Deus; ele é todo o ser de Deus. E também com o Espírito Santo. Assim, como escreve Wayne Grudem, “Quando falamos do Pai, do Filho e do Espírito Santo juntos, não estamos falando de nenhum ser maior do que quando falamos apenas do Pai, do Filho sozinho ou do Espírito Santo sozinho” (Ibid.).

Existe apenas um Deus

Se cada Pessoa da Trindade é distinta e, no entanto, plenamente Deus, então devemos concluir que há mais de um Deus? Obviamente não podemos, pois a Escritura é clara ao afirmar que existe um só Deus: ” Pois não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim. Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu sou Deus, e não há outro.” (Isaías 45.21–22; ver também Isaías 44.6–8; Êxodo 15.11; Deuteronômio 4.35; 6.4–5; 32.39; 1 Samuel 2.2; 1 Reis 8.60).

Tendo visto que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são Pessoas distintas, que cada um deles é plenamente Deus, e que, no entanto, há um só Deus, devemos concluir que todas as três Pessoas são o mesmo Deus. Em outras palavras, há um Deus que existe como três Pessoas distintas.

Se há uma passagem que reúne mais claramente tudo isso, é Mateus 28.19: “Fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Primeiro, observe que o Pai, o Filho e o Espírito Santo se distinguem como Pessoas distintas. Batizamos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Em segundo lugar, observe que cada Pessoa deve ser divina porque todas eles são colocadas no mesmo nível. De fato, Jesus nos faria batizar em nome de uma mera criatura? Certamente que não. Portanto, cada uma das Pessoas em cujo nome devemos ser batizados deve ser divina. Em terceiro lugar, observe que, embora as três Pessoas divinas sejam distintas, somos batizados em seu nome (singular), não em nomes (plural). As três Pessoas são distintas, mas constituem apenas um nome. Isso só pode acontecer se eles compartilharem uma essência.

A Trindade é contraditória?

Isso nos leva a investigar mais de perto uma definição muito útil da Trindade que mencionei anteriormente: Deus é um em essência, mas três em Pessoa. Essa formulação pode nos mostrar por que não existem três Deuses, e por que a Trindade não é uma contradição.

Para que algo seja contraditório, deve violar a lei da não contradição. Essa lei afirma que A não pode ser A (o que é) e não-A (o que não é) ao mesmo tempo e na mesma relação. Em outras palavras, você se contradiz se afirmar e negar uma mesma afirmação. Por exemplo, se eu digo que a lua é feita inteiramente de queijo, mas também digo que a lua não é feita inteiramente de queijo, eu estou em contradição.

Outras afirmações podem parecer contraditórias, mas na verdade não são. O teólogo R.C. Sproul cita como exemplo a famosa frase de Dickens: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Obviamente, isso é uma contradição se Dickens quer dizer que foi o melhor dos tempos, da mesma forma que foi o pior dos tempos. Mas ele evita a contradição com essa afirmação porque quer dizer que, em um sentido, foi o melhor dos tempos, mas em outro foi o pior dos tempos.

Transportando este conceito para a Trindade, não é uma contradição para Deus ser três e um, porque ele não é três e um da mesma maneira. Ele é três de uma maneira diferente do que ele é um. Portanto, não estamos em contradição – não estamos dizendo que Deus é um e depois negando que Ele é um ao dizer que Ele é três. Isso é muito importante: Deus é um e três ao mesmo tempo, mas não da mesma maneira.

Como Deus é um? Ele é um em essência. Como Deus é três? Ele é três em pessoa. Essência e pessoa não são a mesma coisa. Deus é um de certa maneira (essência) e três de uma maneira diferente (pessoa). Uma vez que Deus é um de uma maneira diferente do que ele é três, a Trindade não é uma contradição. Só haveria uma contradição se disséssemos que Deus é três da mesma forma que Ele é um.

Assim, um olhar mais atento ao fato de que Deus é um em essência, mas três em pessoa ajuda a mostrar por que a Trindade não é uma contradição. Mas como isso nos mostra o motivo pelo qual há apenas um Deus em vez de três? É muito simples: todas as três Pessoas são um só Deus porque, como vimos acima, são todas da mesma essência. “Essência” significa a mesma coisa que “ser”. Assim, já que Deus é apenas uma essência; ele é apenas um ser, não três. Isso deve deixar claro por que é tão importante entender que as três Pessoas possuem a mesma essência. Pois se negamos isso, negamos a unidade de Deus e afirmamos que há mais de um ser de Deus (ou seja, que há mais de um Deus).

O que vimos até agora fornece uma boa compreensão básica da Trindade. Mas é possível ir mais fundo. Se pudermos entender mais precisamente o que significa essência e pessoa, como esses dois termos diferem e como eles se relacionam, então teremos uma compreensão mais completa da Trindade.

Essência e Pessoa

Essência

O que significa essência? Como disse anteriormente, significa a mesma coisa que ser. A essência de Deus é o seu ser. Para ser ainda mais preciso, essência é o que você é. Correndo o risco de soar muito física, a essência pode ser entendida como as “coisas” em que você “consiste”. É claro que estamos falando por analogia aqui, pois não podemos entender isso de uma maneira física sobre Deus. “Deus é espírito” (João 4.24). Além disso, claramente não devemos pensar em Deus como “consistindo” em qualquer outra coisa que não seja a divindade. A “substância” de Deus é Deus, não um monte de “ingredientes” que, juntos, produzem divindade.

Pessoa

Em relação à Trindade, usamos o termo “Pessoa” de forma diferente do que geralmente usamos na vida cotidiana. Portanto, muitas vezes é difícil ter uma definição concreta de Pessoa como a usamos em relação à Trindade. O que não queremos dizer com Pessoa é um “indivíduo independente” no sentido de que tanto eu quanto outro ser humano somos indivíduos separados e independentes que podem existir separados um do outro.

O que queremos dizer com Pessoa é algo que se considera como “Eu” e os outros como “Vocês”. Assim, o Pai, por exemplo, é uma Pessoa diferente do Filho porque considera o Filho como um “Vocês”, embora ele se considere como “Eu”. Assim, em relação à Trindade, podemos dizer que “Pessoa” significa um sujeito distinto que se considera como um “Eu” e os outros dois como um “Vocês”. Esses sujeitos distintos não são uma divisão dentro do ser de Deus, mas “uma forma de existência pessoal diferente de uma diferença no ser” (Grudem, Ibid; Acredito que esta é uma definição útil, mas deve-se reconhecer que o próprio Grudem está oferecendo isso mais como uma explicação do que como uma definição de Pessoa).

Como elas se relacionam?

A relação entre essência e Pessoa, então, é a seguinte. Dentro do ser único e indiviso de Deus, há um “desdobramento” em três distinções pessoais. Essas distinções pessoais são modos de existência dentro do ser divino, mas não são divisões do ser divino. São formas pessoais de existência que não são uma diferença de ser. O saudoso teólogo Herman Bavinck afirmou algo muito útil neste ponto: “As pessoas são modos de existência dentro do ser; assim, as Pessoas diferem entre si como um modo de existência difere do outro, e — usando uma ilustração comum — como a palma da mão aberta difere de um punho fechado” (Bavinck, The Doctrine of God [Banner of Truth Trust, 1991], página 303).

Como cada uma dessas “formas de existência” são relacionais (e, portanto, são Pessoas), cada uma delas é um centro distinto de consciência, com cada centro de consciência se considerando como “eu” e os outros como “vocês”. No entanto, todas essas três Pessoas “consistem” na mesma “coisa” (isto é, o mesmo “o que” ou essência). Como explicou o teólogo e apologista Norman Geisler, enquanto essência é o que você é, pessoa é quem você é. Portanto, Deus é um “o que”, mas três “quem”.

A essência divina não é, portanto, algo que existe “acima” ou “separado” das três Pessoas, mas a essência divina é o ser das três Pessoas. Também não devemos pensar nas Pessoas como sendo definidas por atributos adicionados ao ser de Deus. Wayne Grudem explica:

Mas se cada pessoa é plenamente Deus e tem todo o ser de Deus, então também não devemos pensar que as distinções pessoais são qualquer tipo de atributos adicionais adicionados ao ser de Deus. Pelo contrário, cada pessoa da Trindade tem todos os atributos de Deus, e nenhuma pessoa tem atributos que não sejam possuídos pelas outras. Por outro lado, devemos dizer que as Pessoas são reais, que não são apenas maneiras diferentes de olhar para o único ser de Deus. A única maneira que parece possível fazer isso é dizer que a distinção entre as pessoas não é uma diferença de ‘ser’, mas uma diferença de ‘relações’. Isso é algo muito distante da nossa experiência humana, onde cada “pessoa” humana diferente é um ser diferente também. De alguma forma, o ser de Deus é tão maior do que o nosso que dentro de seu único ser indivisível pode haver um desdobramento em relações interpessoais, de modo que pode haver três pessoas distintas. (Ibid.)

É possível termos boas ilustrações trinitárias?

Há muitas ilustrações que foram oferecidas para nos ajudar a entender a Trindade. Embora existam algumas ilustrações que são úteis, devemos reconhecer que nenhuma ilustração é perfeita. Infelizmente, há muitas ilustrações que não são simplesmente imperfeitas, mas erradas.

Uma ilustração a ser observada é a que diz: “Eu sou uma pessoa, mas sou estudante, filho e irmão. Isso explica como Deus pode ser um e três.” O problema disso é que reflete uma heresia chamada modalismo. Deus não é uma pessoa que desempenha três papéis diferentes, como esta ilustração sugere. Ele é um Ser em três Pessoas (centros de consciência), não apenas três papéis. Essa analogia ignora as distinções pessoais dentro de Deus e as atenua a meros papéis.

Resumo e Aplicação

Vamos rever rapidamente o que vimos:

  1. A Trindade não é a crença em três deuses. Só existe um Deus, e nunca devemos nos afastar disso.
  2. Este único Deus existe como três Pessoas.
  3. As três Pessoas não são cada uma parte de Deus, mas são cada uma plenamente Deus e igualmente Deus. Dentro do único ser indivisível de Deus há um “desdobramento” em três relações interpessoais de tal forma que existem três Pessoas. As distinções dentro da Trindade não são distinções de sua essência e também não são algo adicionado à sua essência, mas são o desdobramento do ser único e indivisível de Deus em três relações interpessoais tais que existem três Pessoas reais.
  4. Deus não é uma pessoa que assumiu três papéis consecutivos. Essa é a heresia do modalismo. O Pai não se tornou o Filho e depois o Espírito Santo. Em vez disso, sempre houve e sempre haverá três pessoas distintas na Trindade.
  5. A Trindade não é uma contradição porque Deus não é três da mesma forma que é um. Deus é um em essência, três em Pessoa.

A Trindade é antes de tudo importante porque Deus é importante. Entender mais plenamente como Deus é é uma forma de honrá-lo. Além disso, devemos permitir que o fato de que Deus é trino aprofunde nossa adoração. Nós existimos para adorar a Deus. E Deus procura pessoas para adorá-lo “em espírito e em verdade” (João 4.24). Portanto, devemos sempre nos esforçar para aprofundar nossa adoração a Deus – na verdade, bem como em nossos corações.

A Trindade tem uma aplicação muito significativa à oração. O padrão geral de oração na Bíblia é orar ao Pai por meio do Filho e no Espírito Santo (Efésios 2.18). Nossa comunhão com Deus deve ser aprimorada por sabermos conscientemente que estamos nos relacionando com um Deus tripessoal!

A consciência do papel distinto que cada Pessoa da Trindade tem em nossa salvação pode servir especialmente para nos dar maior conforto e apreço por Deus em nossas orações, bem como nos ajudar a ser específicos na direção de nossas orações. No entanto, embora reconhecendo os papéis distintos que cada Pessoa tem, nunca devemos pensar em seus papéis como tão separados que as outras Pessoas não estejam envolvidas. Pelo contrário, tudo o que uma Pessoa está envolvida, as outras duas também estão envolvidas, de uma forma ou de outra.

Autor: Matt Perman

Fonte: Voltemos ao Evangelho

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