“Bendito seja o SENHOR Deus, o Deus de Israel, que só ele opera prodígios.” (Sl 72.18)

Em meus primeiros anos na vida cristã me deparei com um livro na pequena biblioteca da igreja em que frequentava, cujo objetivo era defender a superioridade da Bíblia ao provar que os eventos ali descritos tinham uma explicação racional e plausível. Por ser um livro, à época famoso, e vindo eu do ateísmo, a proposta da obra pareceu-me irresistível.  Lancei-me à leitura com apaixonada alegria. O método do autor consistia em analisar cada evento miraculoso e prover uma explicação científica que fizesse sentido. Assim, o rio Nilo se transformando em sangue, para o autor, tinha uma explicação simples: uma enxurrada de lama vermelha, ou proliferação de algas vermelhas, a seu ver um fenômeno recorrente naquela região. Um outro exemplo, o povo de Deus cruzando o mar vermelho a pé enxuto, era explicado como uma figura de linguagem da época, indicando apenas que cruzaram o rio por um vau, uma região mais rasa, em um horário determinado pelo efeito da maré. A magnífica excelência dos dez mandamentos? Fácil, Moisés, com sua excelente formação na cultura egípcia, fez uma compilação das ideias de Hamurabi e de outros códices da Mesopotâmia que, segundo o autor, era literatura obrigatória nos palácios egípcios. O dilúvio global? Apenas uma enchente local, em uma estação prolongada de chuvas. A multiplicação dos pães achei engenhosa: apenas uma descrição ilustrativa de ação social entre os ouvintes presentes na pregação de Cristo. Como assim? Cada família trouxera sua própria refeição e repartira com quem não tinha, inspirada pelo exemplo de um moço que se prontificara a doar seu lanche (cinco pães e dois peixinhos) a uma família necessitada. Como resultado houve uma “multiplicação” do pão. A transformação de água em vinho? Uma brincadeira da parte de Jesus ao mestre-sala que, ao provar a água trazida pelos servos, marota e alegremente anuncia aos noivos que “aquele era o melhor vinho”. E assim por diante. Ironicamente, em lugar de mostrar que a Bíblia tinha razão, o autor sutilmente defendia a tese que não há lugar para a ação sobrenatural sobre a natureza, inclusive nas narrativas bíblicas. Na sua visão, qualquer evento miraculoso poderia ser explicado utilizando o bom senso e pelo velho e confiável argumento científico. Será mesmo?

O problema com esse tipo de abordagem é conciliar as numerosas descrições de milagres contidos nas Escrituras com uma narrativa naturalista que categoricamente rejeita qualquer intervenção sobrenatural no universo. Ao tentar agradar teístas e ateus, o resultado será sempre algo canhestro: uma fé abalada em seus fundamentos e uma ciência alijada de evidências. E por que é assim? Porque teísmo cristão e naturalismo são cosmovisões antagônicas. Qualquer evento que fuja em muito do padrão regular das coisas demandará uma interpretação de acomode de forma coerente o fato, seja para o naturalista, seja para o cristão. Para este último a resposta é simples: o Senhor Deus tem poder para realizar milagres e intervir soberanamente na Sua criação. Para o naturalista a interpretação é um pouco mais complicada, posto que tenderá a argumentar que um milagre é apenas um evento altamente improvável, mas cuja chance de ocorrer não é diferente de zero. Esse argumento naturalista é utilizado desavergonhadamente para toda e qualquer questão que aponte para algo além da matéria. Como surgiu o universo? Ao acaso, flutuações quânticas deram origem a uma singularidade que gerou o big-bang. Como surgiram as primeiras biomoléculas? Ao acaso, em uma poça d’água em um ambiente vulcânico, substâncias simples se juntaram aleatoriamente, reagiram e se transformaram em compostos complexos. Como foram formados os oceanos? Por choques de centenas de cometas formados por gelos espaciais que caíram por acaso na terra. Como surgiu a vida? Rapaz, com tempo suficiente, e por eventos ao acaso, tudo é possível, até a vida. Por que o universo em que vivemos é finamente ajustado em suas constantes básicas? Ora bolas, existem infinitos universos, e por sorte vivemos em um que, casualmente, se mostrou finamente ajustado à vida, só isso. E por aí vai. Notem o padrão nesse tipo de resposta: há sempre um quê de sorte, casualidade, aleatoriedade e probabilidade não-nula. Por mais que apresente uma roupagem científica, esse tipo de argumento não é baseado na ciência, mas em uma fé irracional. E por que é assim? Porque pressupõe que todos os eventos materiais no universo, por mais que se mostrem absurdamente impossíveis por meio naturais, são matematicamente prováveis em algum momento, sob condições ajustadas. Deixam de lado tudo o que se sabe de química, física, biologia e matemática e se atêm na fé cega da casualidade. Advogam uma espécie de milagre probabilístico, mas nunca uma intervenção divina. Isso não é um argumento científico, é um pensamento dogmático.

Por existirmos em um universo causal, coisas aleatórias, acontecimentos improváveis e eventos singulares são mais comuns do que pensamos. Por exemplo, uma gota de chuva que cai sobre a terra é um evento único em toda a história do universo. Jamais, em nenhum momento posterior, as moléculas que formaram aquela gota específica se reunirão novamente naquela exata conformação. Sob muitos aspectos aquela gota é singular em todo o universo e, no sentido probabilístico restrito, é um evento único, no entanto sua existência não foi causada por sorte, ou de forma eventual, aleatória ou miraculosa. Gotas ocorrem naturalmente segundo as leis da físico-química, e se formam aos milhões de bilhões em qualquer nuvem de chuva, e chuvas não são eventos aleatórios, mas regulares. Há uma grande diferença entre um evento naturalmente regular e um milagre.

Um milagre, por definição, é algo que se desvia do padrão regular esperado da natureza, mas não é contrário a ela. Milagres não são eventos de baixa probabilidade, antes se mostram além das probabilidades naturais. Para ser um milagre sua ocorrência se dá em um momento certo sob circunstâncias naturais claramente desfavoráveis, mas não absurdas. Quando o Senhor Deus opera um milagre, Ele não o faz contradizendo as próprias leis naturais que criou, pois sua onipotência não opera em termos contraditórios. Por seu poder Ele pode inserir novos elementos ao curso dos acontecimentos, acelerar ou desacelerar processos, e direcionar temporariamente as leis naturais, de forma que se desviem do padrão regular esperado de um determinado evento, em um momento preciso, de forma a obter o resultado que Ele deseja. E ao fazê-lo, Ele realiza um portento. Mas note, esses resultados ao diferir do padrão natural das coisas, não implicam que as leis foram suspensas ou contrariadas, e sim que foram manipuladas com precisão, planejadas com antevidência genial e realizadas com destreza além de qualquer evento probabilístico. Um exímio jogador de sinuca pode, dependendo do posicionamento das bolas na mesa de bilhar, com uma única tacada encaçapar todas, ainda que as chances sejam amplamente desfavoráveis aos olhos de um principiante. Isso não é milagre, e sim o uso habilidoso das leis de ação e reação em um evento com grandes chances de sucesso. Milagre seria se o taco estivesse deformado com a ponta rombuda, a mesa desnivelada, a madeira com afundamentos, o veludo puído, as bolas desgastadas e rachadas, e o jogador fosse um cego de nascença, e mesmo assim, com uma única tacada, todas as bolas entrassem nas caçapas. As leis do movimento seguiram seu curso natural, não foram suspensas, mas o resultado está além de qualquer chance probabilística.

Quando um químico prebiótico teoriza que substâncias simples evoluíram para biocompostos complexos e argumenta que com o tempo e o acaso isso é possível, pois as chances não são nulas, ele não está invocando um milagre probabilístico, mas contrariando e suspendendo as leis mais básicas da físico-química em prol de sua crença. Quando um biólogo evolucionista afirma que compostos não-vivos eventualmente evoluíram e deram origem a seres vivos, ele está chutando para o alto a regra mais básica da biologia que reza que seres vivos só podem se originar de seres vivos. Quando um cosmólogo defende o disparate que o universo, com todo seu impressionante ajuste ultrafino, causou a si mesmo, sua fé irracional no acaso necessita que as premissas fundamentais da física, a começar pelo princípio da causalidade, sejam suspensas, contrariadas ou abduzidas. Ou seja, em todos esses casos, o naturalista espera que um evento ao acaso venha a tapar as lacunas que seu argumento não consegue preencher, baseado na vã esperança que as leis da natureza venham a seguir um curso completamente contrário do esperado, completamente fora das leis mais básicas. Em termos claros: deixada ao acaso, a matéria, pela força das próprias leis da natureza, jamais dará origem a um universo altamente ordenado ou mesmo proverá os meios para o surgimento da mais simples ameba. Argumentar que estes eventos são altamente improváveis, mas não impossíveis, não muda a realidade das coisas, somente acrescenta assombro a um pensamento cego e irracional.

A mecânica de um milagre pode ser teorizada com algum sucesso em termos das leis naturais, por modelos científicos, mas seus resultados e o momento em que ocorreram transcendem o escopo das explicações científicas. Assim, um naturalista, ou mesmo um teólogo liberal, pode até prover uma explicação razoável para a abertura do mar vermelho se utilizando de elementos como marés, bancos de areia, ventos fortes ou vaus rasos, mas nunca poderá explicar como aquele evento ocorreu precisamente no momento em que o povo de Deus mais precisava, estando acuado contra as forças egípcias. E se ele insiste que o povo apenas atravessou por um vau, não poderá explicar como águas tão rasas afogaram os exércitos de Faraó, com seus carros e cavaleiros (divirto-me ao pensar o que seria mais portentoso: dividir o mar vermelho ou afogar os exércitos em uma lâmina de meio metro de água?). De forma semelhante, é possível explicar a queda das muralhas de Jericó pelo efeito de ressonância devido ao clangor das trombetas, dos gritos e da marcha cadenciada dos exércitos ao rodear a cidade (algo que não é contrário às leis naturais). Mas não dá para explicar como o uso desses elementos rústicos resultaram na exata frequência de ressonância necessária para derrubar fortes muralhas. Atingir essa frequência, no tempo certo, com elementos tão simples e com previsão antecipada de sucesso, está muito além do escopo de meras probabilidades e mesmo para a tecnologia atual seria virtualmente impossível. Nenhum engenheiro, por mais exímio e genial, mesmo como auxílio de modelos computacionais, poderia calcular todas as variáveis necessárias para obter essa frequência de ressonância em um preciso momento. O nome para isso é milagre. E se um milagre não pode acontecer por acaso, a explicação que sobra é ter sido planejado, operado e conduzido por Alguém capaz de pesar todas as variáveis envolvidas e intervir com precisão assombrosa nas leis da natureza de modo a realizar um portento, uma maravilha, um prodígio. A identidade deste Alguém não é outra senão a do próprio Deus Altíssimo. “Bendito seja o SENHOR Deus, o Deus de Israel, que só ele opera prodígios.” (Sl 72:18).

Podemos e devemos nos encantar com os meios pelos quais o Senhor realizou seus prodigiosos milagres, mas que esse encanto nunca seja maior que o maravilhar-se pelo Autor dos portentos. A Palavra de Deus está repleta de milagres, desde o seu primeiro verso em Gênesis até o aparecimento de novos céus e nova terra, nos últimos capítulos de Apocalipse. E entre os muitos milagres do Senhor, quero fazer lembrado que o próprio Deus tabernaculou entre nós, sendo reconhecido em forma humana. Seu nascimento e crescimento seguiram as leis naturais, cumpriu nove meses no ventre da jovem Maria, foi amamentado, agasalhado, cuidado, etc. e no entanto, milagre além de todos os milagres, portento e maravilha sem par: naquela frágil criança residia corporalmente toda a plenitude da divindade, e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai. Não há explicação científica suficientemente capaz de esclarecer como o Eterno, o Infinito, o Transcendente, condensou-se em forma genuinamente humana, frágil e com limitações. A história dá testemunho da ruptura que sua vinda causou na humanidade; e sua igreja, através dos séculos, é testemunha viva de seu poder.

Para o homem sem fé, a realidade de um genuíno milagre se mostra algo inconcebível, estranho às leis naturais, e às relega às fábulas. Mas este homem esquece, ou nunca cogitou, que a própria existência da vida é, em si, um claro desvio do padrão natural do comportamento da matéria abandonada a si mesma. Ainda que soe piegas aos ouvidos de alguns, a vida é um milagre em todos os sentidos, probabilístico, físico-químico, termodinâmico e transcendental. Nós somos milagres vivos de um Deus Vivo. Cada ser vivo, mesmo o menor protozoário, anuncia perante o universo: eu sou a prova viva de um Deus que opera maravilhas. Não há explicação científica suficiente capaz de demonstrar o contrário. A Ele meu louvor e adoração.

Autor: Kelson Mota

Fonte: Voltemos ao Evangelho