É importante conhecer nossos dons espirituais? Ou é esta preocupação uma evidência do narcisismo tão característico de nossa cultura hoje em dia?

Talvez possamos comparar a busca pela identificação de nossos dons espirituais ao atual interesse por testes de personalidade e de perfis tal como o Eneagrama. O Eneagrama descreve nove tipos diferentes de personalidade e tem tido um impacto significativo em círculos evangélicos. Kevin DeYoung corretamente advertiu sobre os perigos do Eneagrama, explicando que em muitos aspectos, é apartado das Escrituras. Russell Moore concorda com o que DeYoung escreveu, caso o Eneagrama seja utilizado como a resposta final, mas crê que ele pode ser usado como uma ferramenta para discernir e compreender os pontos fortes e fracos, assim como os desejos motivadores e inclinações de outros.

Creio que podemos dizer algo semelhante sobre o processo de discernir os dons espirituais.

1. Testes para dons espirituais?

Ao longo dos anos, usar levantamentos de dons e questionários espirituais para ajudar crentes a descobrirem seus dons espirituais tem tido popularidade. O maior problema com estas ferramentas é que elas são uma abstração; podemos fazer esses testes e tentar descobrir nossos dons sem nos envolvermos na vida da igreja local. Quando utilizados ​​desta maneira, os levantamentos de dons espirituais são artificiais e até mesmo enganosos.

São artificiais porque não descobrimos e não podemos descobrir quais dons Deus nos deu, isoladamente dos outros. Dons não podem ser rastreados em um laboratório como podemos fazer com o DNA. Os questionários também são enganosos porque os próprios testes, embora úteis em alguns aspectos, são inevitavelmente parciais e falhos. Em outras palavras, os levantamentos são produzidos por humanos que têm suas próprias tendências e preconceitos, e portanto os crentes podem erroneamente terminar tal levantamento crendo que têm um dom específico, quando não o tem. Por outro lado, eles podem crer que não têm um dom, depois de fazer o levantamento, quando de fato o têm.

2. Descoberta através da vida de uma igreja

Portanto, a melhor maneira de descobrir seu dom não é fazendo um teste. Não havia estes instrumentos na igreja primitiva, e as pessoas descobriam e usavam seus dons muito bem! Em vez disso, se nos envolvermos na vida de outros na igreja e amarmos como Jesus ordenou, então descobriremos nosso dom.

Alguns podem dizer que ainda não sabem qual é seu dom. Mas conhecer seu dom espiritual não é tão importante quanto pô-lo em prática. Certamente, historicamente muitos crentes não conheciam seus dons ou pensavam muito sobre estes, e ainda assim exercitavam estes dons de maneiras poderosas. Se você não tem certeza de quais são seus dons espirituais, se eu fosse você, não me preocuparia com isso. Se você se dedicar a outros crentes na igreja, inevitavelmente estará utilizando seus dons.

Tudo isso nos traz de volta à questão dos levantamentos de dons espirituais. Se você estiver envolvido na vida da igreja e fizer tal levantamento, isto pode ser útil. Às vezes não nos vemos claramente, e outros crentes e recursos podem nos ajudar a discernir em que áreas fomos dotados. Obviamente, tais ferramentas podem ser usadas de maneira narcisista e egocêntrica, mas também é verdade que compreender a nós mesmos melhor poderá nos ajudar a nos tornarmos ministros mais eficazes.

3. Conhece-te a ti mesmo

A importância de nos conhecermos a nós mesmos fica clara em Romanos 12.3:

“Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um.”

Aqui Paulo nos adverte para não termos uma visão inflada de nós mesmos, nem para nos denegrirmos a nós mesmos, mas para nos conhecermos e nos avaliarmos corretamente. Sabemos que erros podem ser cometidos nos dois sentidos em relação aos dons espirituais. Alguns podem dizer que seus dons não são importantes e não são necessários ao corpo1. Outros podem dizer que não necessitam dos outros dons e de membros do corpo2. Mas cada membro é necessário, cada membro desempenha um papel importante, cada membro é significativo.

Quando examinamos alguns dos dons espirituais, fica claro que conhecer nossos dons é útil (mesmo que não seja essencial). Por exemplo, Paulo diz que aqueles com o dom do serviço devem se concentrar em servir, aqueles com o dom do ensino em ensinar, e aqueles com o dom de exortação em exortar3. Se você sabe que seu dom é de exortar, poderá concentrar suas energias. Isso não significa que você não vá servir, fazer evangelismo ou aconselhar, é claro. Não devemos distorcer o que Paulo escreveu como uma desculpa para sermos egoístas. Mesmo assim, a vida é curta e devemos nos concentrar em nossos pontos fortes, porque, ao fazer isto, edificamos a igreja.

Conhecer nossas pontos fortes e nossos dons nos ajuda a nos concentrarmos nas maneiras pelas quais podemos ser mais úteis a outros crentes. Se você ainda não conhece seu dom, não se preocupe. Ficará claro com o passar do tempo, e com a ajuda de outros crentes para discernir seu dom. Muitas vezes ficamos com muita pressa para identificar nossos dons, mas Deus não tem pressa. Ele tem um propósito e plano para usá-lo na vida de sua igreja, e seu dom será identificado, à medida em que você serve a Deus e aos outros.

 

Por Thomas Schreiner
Traduzido por Felipe Barnabé
Coalizão pelo Evangelho


1. 1 Coríntios 12.15-16
2. 1 Coríntios 12.21
3. Romanos 12.7-8