“Ouvir, receber e dar frutos são as marcas de um discípulo de Jesus. Uma audição responsiva produz uma colheita milagrosa.” – James Edwards
Desde o início do seu Evangelho, Marcos apresenta a Jesus como alguém que ensina. Até aqui nós já o vimos ensinando na sinagoga (1:21-22) como alguém que tem autoridade para ensinar. Também o vimos ensinando a multidão à beira mar uma grande multidão (2:13). Mas à exceção de alguns pequenos discursos com seus opositores (2:8-12; 17; 19-22; 24-28; 3:4-5; 23-29; 33-35), nós ainda não ainda não sabemos exatamente o que Jesus ensinava. Apesar de deixar muito claro que a missão de Jesus era anunciar o Evangelho do Reino de Deus (1:14-15), e de demonstrar que a missão de Cristo era centrada em sua proclamação dessa mensagem (1:38), Marcos ainda não nos fez assentar aos pés de Jesus para ouví-lo ensinar.
Mas, é exatamente isso o que acontece na perícope que lemos hoje. E novamente Marcos nos surpreende com o modo como ele apresenta o ministério de Jesus. Observe que Marcos inicia (4:1-2) e termina (4:33-34) essa perícope apresentado um resumo do ministério de Jesus, sendo ambos centrados no seu ensino: “Novamente Jesus começou a ensinar à beira-mar (…) Ele lhes ensinava muitas coisas (…) em seu ensino” (4:1-2); “Jesus lhes anunciava a palavra, tanto quanto podiam receber (…) Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, Ele lhes explicava tudo” (4:33-34).
Note também que na narrativa de Marcos, desde a descrição inicial do ministério de Jesus como Aquele que anuncia o Reino de Deus (1:14-15), o tema do Reino de Deus não foi mais apresentado. Com a exceção da breve menção de Jesus em 3:24 da palavra Reino (βασιλεία; basileía), nem se quer a palavra reino foi usada por Ele. Entretanto, nessa perícope o Reino de Deus é explicitamente citado por Jesus 3x (ἡ βασιλεία τοῦ θεοῦ; he basileía toü theoü; vv.11, 26, 30), o que indica que o conteúdo aqui apresentado expande o conceito do Reino de Deus, apresentando seu crescimento e desenvolvimento (4:20; 27-29; 32).
Além disso, a ênfase de Marcos nos demonstra não apenas o conteúdo do ensino de Cristo, mas também nos apresenta como Ele o ensinava: “Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola” (4:33). E ainda que o conceito de parábola já tenha sido apresentado em sua narrativa (cf. 3:23), é apenas nessa perícope que vemos seu uso didático (cf. 4:2, 10, 11, 13, 30, 33, 34). E para demonstrar isso, Marcos nos apresenta quatro diferentes parábolas: A parábola do semeador (4:3-20), da candeia (vv.21-25), da semente (vv.26-29) e do grão de mostarda (vv.30-32).
Também nos chama a atenção o processo de redenção da multidão durante o ministério de Jesus: “Novamente Jesus começou a ensinar à beira-mar. Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão grande que Ele entrou num barco e nele se assentou” (4:1). Essa é a segunda vez que vemos a multidão sendo descrita de maneira positiva (cf. 3:32). Ou seja, aquela multidão que seguia a Jesus pelo o que Ele tinha a oferecer (1:28; 33; 45; 3:7-10), aos poucos ouve sua mensagem e passa a estar com Ele (3:33-35), assim como estavam seus discípulos (3:14). E mais interessante, aquela multidão que estava na casa com Jesus (3:32) é aqui descrita de modo superlativo: “uma multidão tão grande” (ὄχλος πλεῖστος; ochlos pleistos; 4:1). Ao que parece, o tema da perícope começa a tomar forma desde as primeiras descrições do capítulo
Note ainda, que dessa multidão de pessoas que o ouvia, Marcos nos demonstra que alguns haviam se aproximado de Jesus de tal forma que são apresentados como se fizessem parte de um círculo mais íntimo de Jesus: “Quando Ele ficou sozinho, os Doze e os outros que estavam ao seu redor lhe fizeram perguntas acerca das parabolas” (4:10). Ou seja, a multidão não é formada por pessoas exclusivamente interesseiras buscando um milagreiro. Entre ela, existe uma multidão de seguidores genuínos (cf. 3:33-35, 4:1-2, 10).
Marcos também descreve brevemente o modo como Jesus passa a ensinar nessa perícope: “Novamente Jesus começou a ensinar à beira-mar. Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão grande que Ele entrou num barco e nele se assentou” (4:1). Marcos descreve Jesus se assentando para ensinar apenas duas vezes, aqui e mais uma vez em 13:3, quando apresenta o segundo e último bloco extensivo de ensinos de Jesus (cf. 13:1-37). Sentar-se para ensinar era nos dias de Jesus um sinal de autoridade, de tal modo que aqueles que aprendiam de um mestre, aprendiam aos pés dele (cf. At 22:3). Ou seja, a autoridade que Jesus apresentou em suas curas e exorcismos são novamente expressas no seu ensino (1:21-22). O fato de Jesus entrar em um barco também é significante. Na perícope anterior, o barco serviu para Jesus fugir da multidão que o queria pressionar para quem sabe tocá-lo (cf. 3:9-10), mas aqui serve como um púlpito para ser usado em sua exposição e ensino. Mais uma vez, a multidão Marcos aponta para a redenção da multidão.
A pergunta nos vem à mente, então, é essa: “Como alguém que pertence a multidão pode participar do grupo de seguidores de Cristo?” E é exatamente essa a pergunta que Marcos responde nessa perícope.
Ouvir
Em primeiro lugar, precisamos observar as ênfases dadas por Marcos aqui. Observe que existem nessa perícope algumas palavras repetidas, em particular, palavras relacionadas a audição (cf. 4:3, 9, 12, 15, 16, 18, 20, 23, 24, 33). Entre as perícopes o conceito de ouvir é reforçado com frequência, bem como o conteúdo daquilo que deve ser ouvido: Marcos enfatiza a palavra de Cristo (cf. 4:14, 15, 16, 17, 28, 19, 33), isto é, o seu ensino (4:1-2, 3-9; 11-20; 21-25; 26-29; 30-32; 33-34; esp. 11, 21, 24, 26, 20, 33) também de modo repetitivo.
Em outras palavras, Marcos sugere que a primeira atitude que alguém que pertence a multidão precisa tomar para fazer parte do Seu grupo de seguidores é ouvir o que Cristo tem a ensinar. E isso é ilustrado de um modo muito interessante. Na parábola do semeador, por exemplo, O semeador que sai a semear (4:3), isto é, proclama a palavra de (4:14), é ninguém menos do que o próprio Senhor. Ambos o semeador e Cristo saem para semear/anunciar (4:3; 1:35, 38, 39; 2:13; 17): enquanto um semeia a palavra, o outro prega a prega (4:14-15; 33; 1:38-39: 2:2; 8:32). Ou seja, para fazer parte do grupo de seguidores de Cristo, o indivíduo precisa dar atentamente ouvidos a palavra de Cristo (4:3, 9, 24, 44).
Receber
Em segundo lugar, Marcos nos ensina, entretanto, que ouvir não é suficiente. A bem da verdade, até aqui, o autor tem demonstrado que muitas pessoas têm ouvido o que Cristo tem a ensinar, e ainda assim, nem todos deram atenção ao que ele tinha a dizer. As autoridade religiosas são o grupo que mais ouviu de Jesus o que Ele tinha a dizer (2:8-12; 17; 19-22; 24-28; 3:4-5; 23-29; 33-35), mas eles mesmos não aceitaram o Ele ensinava (2:6; 16; 18; 24; 3:22), muito pelo contrário, eles rejeitaram e decidiram mata-lo (3:6). E é exatamente isso que a parábola do semeador ilustra: a palavra semeada por Cristo cai em diferentes “solos”, que representam as possíveis respostas à mensagem proferida por Cristo (4:3-9; 14-20).
De acordo com a parábola, existem pessoas que enquanto estão ouvindo o ensino de Cristo, sofrem um ataque de Satanás para que tal mensagem não tenha efeito em suas vidas. Esses são chamados “à beira do caminho”, uma brilhante maneira de descrever aqueles que não estão no caminho do discipulado com Cristo (2:23; cf. 8:3, 27; 9:33-34; 10:17, 32, 52). Embora tenham ouvido, essa mensagem nunca foi apropriada por eles. A ação de Satanás aqui impede que essas pessoas realmente entendam a mensagem de Cristo (cf. 2Co 4:4).
Além desse, existe também aquelas pessoas que ouvem a mensagem de Cristo, mas se escandalizam com ela em função do sofrimento e perseguição que ela causa (4:5; 16-17). Esses são chamados de “solo rochoso”. De modo interessante, inicialmente essas pessoas têm uma reação positiva ao ensino de Cristo, afinal o recebem com alegria (v.16), mas ao mesmo tempo eles não tem raiz em si mesmo e vivem uma vida de compromisso temporário com Cristo. A medida que as dificuldades surgem, sob pressão essa pessoa abandona o Seu ensino. Em outras palavras, ela ouviu, ao que parece entendeu, mas o compromisso que ela tinha com a mensagem era superficial. Faltava-lhe profundidade (raiz) no seu compromisso.
Semelhante a esses, são aqueles descritos como semeados “entre os espinhos”. Esses também ouvem o ensino de Cristo, mas “quando chegam as preocupações desta vida, o engano das riquezas e os anseios por outras coisas, sufocam a palavra, tornando-a infrutífera” (4:19). Em outras palavras, essas pessoas tinham tudo para multiplicar, mas sua lealdade estava em outro lugar que não com Cristo: O dinheiro, as preocupações e ansiedades dessa vida eram mais importantes para eles do que o próprio Senhor. A falta de fruto, de acordo com Jesus é uma evidência de uma vida de dupla lealdade.
Esses três grupos de sementes descrevem três diferentes reações negativas das pessoas à mensagem de Cristo. Entretanto, cada um deles descreve o fracasso diante da mensagem de Cristo de modo progresso: enquanto a primeira sequer chega a penetrar o solo, a segundo chega a crescer, mas morre rapidamente, enquanto a última embora tenha sobrevivido ao ataque dos espinhos, não frutificou. O que todas tem em comum é que são todas inúteis para o semeador.
Por fim, Jesus Cristo ilustra um último grupo de pessoas que fazem três coisas: eles ouvem, recebem e multiplicam (4:8, 20). Esses são chamados de “boa terra”, e são assim descritos não apenas em função de sua receptividade ao ensino de Cristo, mas ao recebimento e multiplicação. Aliás, esses que frutificam oferecem à parábola um equilíbrio interessante: enquanto as três primeiras sementes são progressivamente fracassadas, as sementes que dão frutos são progressivamente bem-sucedidas: trinta, sessenta e cem por um (4:20). Esse é o ideal de Cristo para os seus seguidores.
Agora, é importante reconhecer que esses “solos” não são necessariamente uma descrição fixa de diferentes categorias de pessoas. Na verdade, elas são mais características que qualquer pessoa desenvolver, incluindo um seguidor de Cristo. Se formos honestos, cada um de nós pode se colocar em diferentes “solos” em diferentes momentos da nossa vida. Aliás, foi exatamente isso o que aconteceu com os discípulos: embora tenham sido chamados para estar com Cristo 3:14), eles já funcionaram como emissários da multidão (1:36-27), em breve todos o abandonarão (14:5) e principal deles o negará (14:66-72). Em algum momento da vida deles, a perseguição e a angústia os sufocaram (4:7, 16-17), e eles fracassaram como discípulos. O ponto é que todos nós temos que lutar contra essas tendências.
Em outras palavras, ouvir o ensino de Cristo é fundamentalmente importante, mas é insuficiente. Espera-se dos seguidores que eles sejam prontos para tanto para receber como para multiplicar essa mensagem. E essa é a mensagem das próximas parábolas.
Multiplicar
Por fim, Marcos nos demonstra que o ensino de Cristo sobre o Reino de Deus tem tudo a ver com a multiplicação de seguidores. E com isso, passa a demonstrar que os seguidores de Cristo, aqueles que ouvem, recebem e multiplicam, devem fazer sua parte na divulgação da mensagem de Cristo.
Na parábola da semente (4:26-29), o responsável por semear a semente já não é mais identificado como Cristo. Nessa parábola, um homem é apresentado como o responsável por lançar à semente em terra. Esse homem, entretanto, desconhece como tal semente germina e cresce (v.27). E pior, essa semente lançada frutifica automaticamente (v.28) até o ponto da colheita (v.30). Em outras palavras, a ênfase aqui deixa de ser Cristo como proclamador da mensagem, e passa a ser a proclamação da a mensagem de Cristo em si, de tal modo que qualquer um dos seus seguidores possa ser identificado com aquele que lança a semente. O ponto é que a palavra de Cristo, seja ela semeada por Ele ou por algum dos seus seguidores, tem o poder frutificar.Mas existe nessa parábola um interessante conceito: o ato de frutificar aqui, diferente da parábola do semeador, não tem qualquer relação com o solo onde ela é lançada. Nessa parábola, aquele que lança a semente desconhece o processo que faz a semente crescer, florescer e frutificar, mas é apresentado como lançando a semente mesmo assim. Em outras palavras, a multiplicação esperada por Cristo dos seus seguidores (4:20), tem uma nota reconfortante aqui: os seguidores semeiam, Deus faz a semente frutificar (4:28-29). Os resultados da proclamação do Evangelho de Cristo pertencem a Deus; a nós cabe a obediência de continuar a anunciar. Afinal, a expectativa de Cristo é que seus seguidores multipliquem seguidores e aumentem a influência de Cristo no mundo.
E é exatamente esse o foco da parábola do grão de mostarda, que embora seja a menor de todas as sementes conhecidas por seus ouvintes era uma das maiores árvores conhecidas na Palestina nos dias de Jesus (4:30-32). O ponto da parábola, é que embora o ministério de Cristo não tenha recebido grande atenção a princípio, sua mensagem e influência cresceriam grandemente. Aliás, isso pode ser claramente visto no próprio ministério de Jesus, que a princípio é descrito como tendo alguns poucos seguidores (1:16-20), é agora descrito como uma grande multidão (4:1) pronta para ouví-lo ensinar.
Com fica claro, o ponto dessa perícope é que nosso Senhor espera que seus seguidores multipliquem. Aqueles que ouviram o ensino de Cristo, e o receberam, são convidados a lançar a semente com Cristo e em sua companhia fazer discípulos de todas as nações. A medida que seguimos a Cristo em direção à Nova Jerusalém, devemos proclamar o Evangelho de Cristo para que outas pessoas possam juntar-se à nos em nossa jornada com o Mestre. Mas, nossa tarefa é proclamar. Cabe a Deus fazer frutificar a semente que lançamos!
Autor: Marcelo Berti
Fonte: Voltemos ao Evangelho
SIGA-NOS!