O quão difícil e comum pode ser a vida do cristão? Você provavelmente já ouviu sobre as promessas que Deus tem para sua vida, sobre a vitória que está a caminho diante da tribulação que você está enfrentando, entre outras ilusões disfarçadas de mensagens de ânimo e esperança. Mas aí o tempo passa e as coisas não caminham do jeito que se esperava. A cura não vem, aquela porta não se abre, o problema e o sofrimento persistem. Quem já não se viu nessa situação? Quem tem apenas vitórias humanas para contar? Quem nunca sofreu ou viu-se mergulhado em um problema a ponto de ter de se adaptar por longos períodos a uma realidade que não era a esperada?
Infelizmente, para muitos cristãos o Evangelho se tornou um meio para melhorar a qualidade de vida, e isso em grande parte por culpa de pregadores que propagam uma boa-nova distorcida, com muitas promessas que comumente não se realizam. Contudo, muitos ouvintes destes pregadores continuam a segui-los na expectativa de que as coisas vão mudar, de que a vitória está chegando. E é puramente na expetativa de que as tais promessas de solução dos problemas e fim do sofrimento chegarão que esses cristãos continuam vivendo um evangelho diferente daquele encontrado nas páginas bíblicas.
Não que seja inapropriado desejar uma vida melhor e buscar mais qualidade de vida. Essa busca é instintiva e natural, e eu sou o primeiro nessa fila. Mas não posso deixar de alertá-lo sobre os riscos dessa corrida se tornar vã, como quem corre atrás do vento. Não há, absolutamente, nenhuma garantia nas páginas da Bíblia de que você obterá algum tipo de bênção especial além da vida vindoura, no Reino do Deus nos céus. Você achará, sim, exemplos de servos de Deus que prosperaram (Abraão, Davi…) e de outros que viveram uma vida conturbada, árdua e até miserável sob a ótica humana (Jeremias, Paulo, Jesus…).
As vidas vividas pelos servos de Deus nas páginas bíblicas são uma fiel representação da realidade. Há cristãos afortunados e cristãos pobres, uns são sadios e outros doentes, uns terão vidas pacíficas e felizes e outros viverão vidas conturbadas, entremeadas de dores e conflitos. Provavelmente, se fizéssemos uma pesquisa nós não encontraríamos provas definitivas de que ser cristão traga algum tipo de vantagem neste mundo, exceto nos relacionamentos, e, ainda assim, com muitas ressalvas, que aqui não precisam ser relacionadas se você já teve um mínimo de convívio com outros cristãos por um tempo razoável.
Se isso é verdadeiro, então que vantagem há em ser cristão? O que o Evangelho tem de diferente de qualquer outra mensagem? Para responder a essa pergunta, antes é preciso entender o que é o Evangelho. A resposta é simples, porém mal compreendida ou explorada. O Evangelho é, resumidamente, a boa notícia sobre a salvação em Cristo (Rm 1:16). Esta salvação, é claro, refere-se à solução que Deus nos proporcionou para que não fôssemos para o Inferno, mas para perto dele, no Paraíso. Logo, no próprio entendimento do que é o Evangelho está a resposta à primeira pergunta. E se entendemos que o Evangelho é sobre o porvir, sobre a vida eterna com Cristo e não a vida terrena e passageira deste mundo, também compreenderemos que nenhuma outra mensagem de ânimo ou consolo, ainda que bíblica, se compara ao Evangelho. O Evangelho, de maneira mais específica, é sobre a cruz de Cristo. A cruz é sobre libertação do poder do pecado, sobre o pagamento da dívida que tínhamos com Deus (Cl 2:13-14). Repare que tudo isso diz respeito a uma esfera espiritual, e não material.
Enfim, a promessa do Evangelho refere-se ao futuro (Rm 6:8, Hb 10:35-37), não ao presente, e diz respeito à dimensão espiritual, não à material. Sim, tudo isso é abstrato, e é justamente por isso que a Palavra nos diz que o justo viverá pela fé (Hb 10:38). Nunca fomos convidados por Jesus a crer na mensagem do Evangelho por conta das recompensas presentes e materiais. Sua pregação era justamente o oposto disso. Jesus convidava ao arrependimento e anunciava a proximidade do Reino de Deus (Mt 4:17), que não é deste mundo. Contudo, não faltam pregadores de um evangelho terrestre, de recompensas materiais para esta vida, e muito menos faltam crentes neste evangelho apequenado, destituído de seu cerne, reduzido a uma mensagem limitada aos anseios carnais carregados de egoísmo e vaidade, na infinita busca da satisfação humana.
A essa altura, você pode estar questionando se estou argumentando que o Evangelho não traz nenhuma mudança positiva para nossas vidas, e talvez discordando por conhecer alguns bons exemplos, talvez em sua própria vida, de mudanças positivas trazidas por ele, como casamentos e famílias restauradas, libertação de vícios, entre outros tantos exemplos. E este é, sem dúvida, o ponto-chave para entender o tipo de mudança que o verdadeiro Evangelho opera. A mensagem Bíblica e a realidade do dia a dia nos mostram que a mudança operada pelo Evangelho não ocorre diretamente no entorno do converso, mas dentro dele. Não é de fora para dentro, mas de dentro para fora. Em geral, a vida do convertido melhora porque ele melhora, tornando-se uma filha mais obediente, uma esposa mais paciente, um marido mais amoroso, um estudante mais dedicado, enfim, uma pessoa melhor, que apresenta em sua vida o fruto do Espírito.
Não são raros os exemplos de cristãos que enfrentam perseguição, cujas vidas eram mais confortáveis antes de crerem em Cristo. Se fosse tão vantajoso ser cristão aos olhos humanos, Jesus não precisaria ter dito aquelas palavras de consolo e esperança que introduzem o Sermão do Monte, em Mateus 5:3-12. Então, se a sua vida cristã não é um exemplo de prosperidade, paz e felicidade permanentes, não quer dizer que você esteja necessariamente colhendo algo que plantou, muito menos quer dizer que você é mais pecador que aqueles que parecem mais abençoados. Por vezes, os frutos do Evangelho se manifestam através do sofrimento, da perda, da frustração e da aparente falta de sorte, assim como podem ser vistos em uma vida pacífica, próspera e feliz. Talvez você só precise atualizar suas definições de bênção, ou compreender, e crer, que o Evangelho, conquanto faça diferença em nossas vidas nesta terra, não é um manual de como obter recompensas, mas uma mensagem sobre fé em Cristo, apesar das recompensas.
Autor: Renato César
Fonte: Bereianos
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