O metaverso é a mais recente novidade, e cristãos já tem cogitado e até mesmo realizado “cultos virtuais” neste ambiente. Historicamente, a igreja costuma recepcionar muito bem as inovações tecnológicas na área da comunicação. Foi assim no final do século XIX, com o surgimento do rádio, e, também, no início do século XX quando os aparelhos televisores foram inventados. Desde o início do rádio, a igreja evangélica se mantém presente nas transmissões radiofônicas. Em 1920, nos EUA, a Calvary Episcopal Church foi a primeira igreja a transmitir programações religiosas pelo rádio. Com a televisão também não foi diferente. Apesar de uma adesão um pouco tardia se comparado a como foi no rádio, as igrejas também começaram a transmitir suas programações religiosas pela televisão assim que puderam.
No Brasil a mídia televisiva concedeu, em 1978, a um grupo de evangelistas estadunidenses, uma programação na antiga TV Tupi, sendo as séries de pregações do evangelista Rex Humbard a programação evangélica mais antiga da televisão brasileira, que permaneceu no ar durante os anos de 1978 a 1984. Atualmente, muitas igrejas possuem suas próprias estações de rádio e emissoras de televisão. No entanto, vale destacar que, apesar de lançarem mão do uso da televisão e do rádio como meio de propagação tanto do evangelho como de músicas de cunho religioso, os cultos continuaram sendo celebrados de forma presencial.
Após o advento da televisão, o grande salto, no que diz respeito à evolução tecnológica dos meios de comunicação, se deu com o surgimento da internet. Essa tecnologia trouxe consigo a quebra das barreiras do tempo e do espaço, uma vez que permite a transmissão e o acesso às informações de qualquer lugar e a qualquer momento, seja por e-mails, mensagens instantâneas ou vídeos postados em plataformas digitais nas quais qualquer pessoa ou instituição podem, com produções profissionais ou caseiras, gravar, publicar e reproduzir conteúdos audiovisuais. A comunicação digital tem avançado cada vez mais e com uma velocidade impressionante. A criação de aplicativos de videoconferências, por exemplo, permite a interação entre várias pessoas de diversos lugares do mundo ao vivo, ou seja, em tempo real, comprovando a eficácia e a utilidade da comunicação virtual.
Nos últimos anos, o mundo foi novamente surpreendido com o surgimento de mais uma inovação tecnológica na área da interação digital, denominada pelas “big techs” como “metaverso”. Essa nova tecnologia pode ser mais bem compreendida quando vista como um universo paralelo, digital e tridimensional, concebido através de sistemas de informática em ambientes virtuais. No metaverso é possível que as pessoas trabalhem, joguem e se socializem, interagindo entre si através das suas personagens digitais, também conhecidas como “avatares”.
Diante deste “boom” tecnológico na área da comunicação e da interação digital, outrora possíveis somente nas telas de cinema, surge um novo desafio para a igreja. Sendo esta uma instituição participante e atuante na sociedade, o povo de Deus tem sido novamente desafiado a lidar com essa novidade do metaverso à luz da Escritura Sagrada. Pois, com a propagação dessa nova tecnologia que possibilita experiências virtuais como se fossem presenciais, um grupo crescente de cristãos têm questionado a obrigatoriedade do culto presencial, propondo que a realização de cultos virtuais, quer no metaverso ou por meio de lives, podem ser um meio viável de substituição do modelo “tradicional”, ou presencial de culto.
Nesta nova proposta, através de dispositivos digitais, a igreja se “reúne” em um ambiente virtual dentro do metaverso, utilizando elementos virtuais que podem representar a realidade desejada (como, por exemplo: arquitetura dos templos, utensílios de uso comum, objetos pessoais etc.), sendo que os membros desta “igreja” são representados por seus avatares, ou seja, por seus personagens digitais. Assim, essa reunião bem como a interação entre seus participantes acontece sem a presença física deles, valendo-se apenas de mecanismos tecnológicos e virtuais que os representam dentro do metaverso.
Portanto, tendo em vista este crescente avanço tecnológico e o progressivo clamor tanto na defesa como no uso destas inovações como instrumentos plausíveis para o ajuntamento virtual do povo de Deus em ato de culto, nos fazemos a seguinte pergunta: será que a reunião presencial da igreja não é mesmo necessária? Como igreja, podemos adorar a Deus sem a presença física do próximo? Existe uma determinação divina para que haja um local para adoração? Por que não poderia ser no metaverso?
Como proposta de respostas aos questionamentos, propõem-se fazer uma breve análise do Salmo 133 e da sua relação com alguns textos do Novo Testamento que abordam a temática em debate, a igreja no metaverso e possíveis substituições do culto presencial por meio de tecnologias.
Verso 1 – “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!”
O conteúdo do Salmo 133, principalmente o primeiro versículo, expressa a felicidade do salmista em ver todas as tribos de Israel unidas para adorar a Deus em uma das festas em Jerusalém. Com entusiasmo, o autor exalta a grandeza desta reunião adjetivando-a como sendo boa e agradável para Deus. Sendo assim, é possível afirmar que a união do povo não só o agrada, mas também expressa a excelência da bondade de Deus uma vez que aponta para um novo tempo no qual viveremos unidos para todo sempre com o Senhor. Neste texto, fica evidenciado que o povo de Deus estava reunido em Jerusalém para uma das festas judaicas.
Portanto, ao referir-se à santa convocação, o texto aponta para a obrigatoriedade do ajuntamento do povo, para que unidos coloquem-se em adoração a Deus, sendo este procedimento agradável ao Senhor. Charles Spurgeon, pregando este salmo, argumenta: “Como irmãos em espírito, eles devem habitar juntos na comunhão da igreja e nesta comunhão uma questão essencial é a união.” Calvino relata que este salmo é uma ação de graça pela paz e harmonia que sucedera após um longo período de divisão e confusão no reino. Argumenta também que se trata de uma exortação à união fraternal diante de Deus.
Diante disso, o texto pode ser aplicado à necessidade que todo cristão tem de congregar, de “estar junto”, pois, ainda que a adoração individual e familiar seja importante e recomendável, elas não substituem a obrigatoriedade e a necessidade da reunião, do ajuntamento, da congregação dos irmãos para viverem unidos diante do Senhor. Na Nova Aliança, o autor da carta aos Hebreus também exorta seus leitores a não deixarem de congregar, apelando para necessidade de que eles estejam juntos no exercício do cuidado mútuo e do amor ao próximo. O autor desta carta alerta sobre o perigo de se ignorar a ordem para congregar, pois nesta reunião há exortações mútuas que preparam o cristão para a vinda do Senhor (Hb 10.24-25).
Verso 2 – “É como o óleo precioso sobre a cabeça, o qual desce para a barba, a barba de Arão, e desce para a gola de suas vestes”
No segundo versículo Davi compara o rito de consagração sacerdotal de Arão e de seus filhos (Êx 30.30-33), representado no texto pelo “óleo precioso” da consagração, com a união do povo de Deus, mencionada no primeiro versículo. Desta forma, o salmista expressa, de forma poética, a importância de se manter a união entre os irmãos (povo) de Israel, como um povo separado, ou seja, consagrado por Deus para adoração, da mesma forma como os sacerdotes eram consagrados (separados) para ministrarem os sacrifícios diante do altar.
Ao usar a imagem da “barba de Arão”, o salmista parece querer realçar algumas coisas importantes nesta poesia. Primeiramente, o destaque é para o óleo que vai descendo sobre a cabeça do sacerdote. Depois, o óleo escorre sobre a barba e desce pela gola, atingindo o colete peitoral, que continha doze pedras preciosas, representando as dozes tribos de Israel (Ex. 28. 15-21). Com isso, o salmista realça a abrangência da consagração com óleo, que desce sobre a cabeça do sacerdote até alcançar as tribos de Israel.
A segunda coisa importante na imagem do óleo escorrendo sobre a “barba de Arão” é a comparação da união do povo com o rito da consagração sacerdotal, sinalizando que as tribos se mantinham unidas tanto pelo ofício sacerdotal, que as favoreciam, como por sua representatividade diante de Deus. Pois, simbolicamente, todo Israel é ungido com o óleo e separado para servir diante do Senhor em ato de culto, da mesma forma que os sacerdotes eram.
Calvino, ao comentar este texto, argumenta que este versículo é a prova clara que toda a verdadeira união entre os irmãos tem sua origem em Deus, sendo o verdadeiro propósito desta união a busca dedicada em cultuar o Senhor. O reformador argumenta, ainda, que os homens devem se unir em afeição mútua, com o grande objetivo de se congregarem sob o governo de Deus, pois foram consagrados para isso.
Na Nova Aliança, o apóstolo Pedro ensina que todos os cristãos genuínos são povo de propriedade exclusiva de Deus, casa espiritual, separados para o exercício da adoração ao Senhor (1Pe 2.5-9). Semelhantemente, o autor aos Hebreus ensina que por causa do trabalho sacerdotal de Cristo sobre a casa de Deus (família de Deus, igreja), o povo de Deus passa a ter liberdade para adorá-lo no Santo dos Santos celestial (Hb 10.19-21).
Desta forma, tanto o salmista como os apóstolos exortam sobre a necessidade de congregar, pois a igreja do Senhor foi consagrada para exercer uma adoração comunitária na presença do Senhor, tendo Jesus Cristo como o Sumo Sacerdote.
Verso 3 – “É como o orvalho do Hermom, que desce sobre os montes de Sião. Ali, ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre.”
No terceiro versículo Davi compara o orvalho de Hermom, que desce sobre o Monte Sião, com o “viver unido” do povo de Deus. Demostrando, de forma poética, que assim como o orvalho de Hermom desce até Jerusalém, trazendo vida com suas águas, o povo também deveria descer até Jerusalém (Monte Sião), a fim de receber a benção do Senhor.
Já na Nova Aliança, Jesus revela que o local da reunião para adoração não seria mais em Jerusalém: “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai.” (Jo 4.20-21). No Evangelho de Mateus, pela primeira vez, Jesus Cristo usa a expressão “ἐκκλησίᾳ” (eklesia, traduzido comumente como igreja”) para se referir ao seu povo. Já no capítulo dezoito, do mesmo evangelho (Mt 18.15-20), Jesus denomina a reunião de seus discípulos de igreja (eklesia) e, ainda neste episódio, ele afirma que a igreja, essa reunião de discípulos, passa a ser em qualquer lugar onde estiverem pessoas reunidas em seu nome. É importante lembrar que é nessa reunião que Jesus promete se fazer presente.
Com base nos ensinamentos de Jesus, o apóstolo Paulo argumenta que a igreja é o corpo de Cristo: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.” (Ef 1:22-23). Na carta aos Romanos, o apóstolo esclarece que a igreja é formada por vários membros que compõem um só corpo em Cristo. Segundo o texto, cada cristão é parte deste corpo e, como membros de um único corpo, cada qual possui uma função distinta da função do outro membro, edificando-se mutuamente (Rm 12.5).
Portanto, é obrigação de todo cristão buscar a congregação dos santos para o exercício de adoração ao Senhor. É na igreja, o corpo de Cristo, o lugar providenciado por Deus para entrarmos em sua presença, no “Santíssimo lugar”. Desta forma, deixar de congregar é o mesmo que renunciar tamanha graça oferecida ao crente e caracteriza-se em um ato de desobediência e desprezo ao próprio Senhor. Apesar de toda a interação digital oferecida pela tecnologia, com por exemplo o metaverso, poder ser utilizada pelo povo de Deus para as mais diversas atividades, a reunião do povo de Deus em ato de culto, o culto solene, conforme as Escrituras, ocorre no ajuntamento entre os crentes, e isso só é possível fisicamente.
O ajuntamento dos santos
A reunião do povo de Deus deve ser altamente valorizada, pois quando a igreja se reúne, em santa convocação, é o local onde o Senhor manifesta sua santa presença. Ele está no meio do seu povo. A congregação, o ajuntamento dos santos, é um lugar alegre e de aroma suave e agradável ao Senhor. Podemos dizer que quando o povo de Deus se reúne para adorá-lo, como igreja do Senhor, experimenta-se um pouquinho do céu na terra.
Jesus Cristo foi quem colocou o povo de Deus em uma nova condição de adoração, ao se oferecer como sacrifício santo e perpétuo pela igreja. Nesta nova condição, os crentes em Cristo podem entrar com ousadia na presença de Deus, a fim de adorá-lo e, pelo novo caminho que Jesus desbravou pela sua morte e ressureição, esses cristãos são conduzidos e assistidos pelo ofício sacerdotal perpétuo de Jesus pela igreja neste ato de adoração. Portanto, quando um cristão deixa de congregar regularmente e de forma deliberada e injustificada, ele despreza tanto o sacrifício de Jesus Cristo como seu trabalho sacerdotal.
A igreja é o local estabelecido por Cristo para adoração verdadeira. O apóstolo diz que a igreja é o corpo de Cristo, sendo cada um dos cristãos membros deste corpo. Portanto, é impossível exercer a adoração como igreja local sem a presença física de outros irmãos e sem a presença espiritual de Jesus Cristo, que prometeu que na reunião do seu povo ele também estaria presente.
Diante disso, deixarmos de nos congregar como igreja, seria o mesmo que recusar um encontro com Cristo e seu povo. A ideia de igreja no metaverso ou sem a reunião física do povo de Deus não cabe nos ensinamentos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.
Autor: Alexandre Oliveira
Fonte: Voltemos ao Evangelho
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