O que marca verdadeiramente o nosso crescimento como cristãos?
Ao reconhecer que a obra de Deus na vida dos seus filhos é diferente e única, Newton afirma que Deus trabalhou muito em cada um e que o fruto resultante seria perceptível. Motivado pelo modo como a Escritura frequentemente compara o crescimento do reino ao processo de maturação de plantas, Newton fez uma extrapolação das características físicas do crescimento das plantas em relação ao crescimento espiritual dos crentes. Utilizando a parábola de Jesus em Marcos 4.26-28, ele compara o cristão imaturo a uma semente nova, ainda na erva, o cristão em amadurecimento a um grão que está começando a se formar na espiga e o cristão maduro ao grão totalmente desenvolvido. Essa é a analogia perfeita para descrever a santificação, pois o amadurecimento das plantas, assim como o das pessoas, é geralmente lento e progressivo e, no final, sempre produz frutos. Embora às vezes possamos ficar confusos a respeito de como esse fruto deve ser.
Para Newton, esse fruto notável não era necessariamente para ser visto no campo da obediência externa, e sim em termos de “segurança de fé”, uma certeza para os crentes de que Cristo morreu por eles, por seus pecados específicos e não simplesmente por pecados em geral. Newton concluiu que embora a certeza não fosse necessária para provar que a salvação ocorrera, ela era a evidência-chave de uma fé crescente e mais estável. A partir de sua longa experiência pastoral, ele observou que uma marca da mudança do cristão, de criança na fé para uma maior maturidade, era a obra do Espírito Santo em seu interior, capacitando-o a parar de duvidar de sua salvação quando pecasse e a confiar mais plenamente na obra consumada de Cristo em seu favor. Ele também acreditava que o fruto mais precioso da obra de Deus em nosso coração seria evidenciado no aumento de humildade e de dependência em Cristo para tudo e não em uma “vida cristã vitoriosa”.
Por essa razão, Newton não aponta para o próprio desempenho dos cristãos como forma de obter consolo e segurança. Embora fosse a favor de identificar a obra do Espírito Santo e ansiasse comemorar o fruto obtido, ele apontava constantemente aqueles a quem ele aconselhava para Cristo como sua única esperança na vida e na morte. Esperava e confiava no fato de que uma pessoa que é habitada pelo Espírito Santo do Deus vivo mudará inevitavelmente de acordo com a vontade de Deus. Como Martinho Lutero antes dele, Newton reconhecia que a verdadeira fé é sempre “uma coisa viva, criativa, ativa e cheia de poder”. Quando o Espírito Santo traz uma alma à vida, também começa a transformar aquela alma e, embora ele não opere seguindo qualquer programação, exceto a sua própria, sua obra deve se tornar e se tornará evidente com o decorrer do tempo. A opinião de Newton a respeito de como seria esse fruto difere de muitos pensamentos modernos acerca do assunto, como veremos mais adiante.
A visão de Newton sobre a santificação repousa completamente no poder sustentador de Deus. Como Jesus diz na parábola da videira e dos ramos, em João 15.5: “Sem mim nada podeis fazer”. Todo cristão, qualquer que seja a sua idade ou fase de crescimento espiritual, permanece completamente dependente do Espírito Santo, tanto para a vontade quanto para a capacidade de obedecer a Deus, como um novo convertido o é para a fé em si. No entanto, ao mesmo tempo, todo ramo verdadeiro não pode evitar dar fruto, uma vez que a vida da videira flui através dele, e o agricultor divino o poda e cuida dele (João 15.1). Na verdade, uma parte fundamental desse amadurecimento do fruto é a própria consciência cada vez mais profunda da total dependência do ramo em relação à videira a todo o instante.
Como resultado dessa dupla perspectiva — de que nada podemos fazer sem o poder fortalecedor de Deus e de que Deus está sempre trabalhando de forma soberana na vida do crente — Newton não tinha problema em exortar fortemente os cristãos à obediência, ao mesmo tempo que reconhecia que sem a obra específica do Espírito Santo, dando-lhes a vontade e o poder para obedecer, eles fracassariam sempre.
O papel do conflito
Como Deus nos liberta de um espírito legalista e imaturo que se orgulha de seu desempenho? Como ele nos capacita a firmar nossos corações cada vez mais na obra consumada de Cristo? A resposta de Newton foi que Deus ordenou que aprendêssemos sobre a depravação de nosso coração e a imensidão de sua graça por meio da experiência. Ele lamenta que, se pudéssemos verdadeiramente entender e manter uma visão adequada a respeito de nós mesmos a partir do que lemos na Escritura, seríamos poupados de grande quantidade de sofrimento e dor. Todavia, Newton comenta que “a experiência é a escola do Senhor, e aqueles que são ensinados por ele aprendem geralmente que não têm nenhuma sabedoria, haja vista os erros que cometem, e nenhuma força, a julgar pelos escorregões e quedas com os quais se deparam”.
Certamente, essa foi a experiência dos israelitas. Tal como a descrição de Newton acerca do novo crente, os israelitas devem ter experimentado um período de emoção e aventura quando viram Deus infligir pragas sobre os egípcios e abrir o Mar Vermelho diante de seus olhos. Eles experimentaram a presença de Deus no meio deles, de maneiras dramáticas e inquestionáveis. Deus poderia facilmente tê-los guiado diretamente à terra prometida, dando-lhes a fé e o coração de que precisavam para adentrá-la e conquistá-la. Ao invés disso, passaram quarenta longos e dolorosos anos vagueando pelo deserto. Jamais poderiam esperar que passariam por tal experiência depois de Deus tê-los guiado através do Mar Vermelho e destruído o exército de Faraó, mas agradou ao Senhor guiá-los por caminhos de adversidades a fim de mostrar-lhes o que realmente estava em seus corações. Este período ilustra perfeitamente a descrição de Newton acerca da vida do crente que está amadurecendo: um deserto de conflitos no qual a pecaminosidade de seu coração está sendo exposta repetida e amavelmente por Deus.
Quando Deus nos leva para o deserto de tentações e pecado, descobrimos quem realmente somos. Por causa de nossa natureza depravada, somos igualmente capazes de distorcer os melhores dons do Espírito com nossas idolatrias e desprezá-lo em tempos de aridez estéril. Experiências de deserto são tempos de necessidade, aflição, sofrimento e dor genuínos que nos tentam a murmurar contra Deus e a nos afastar dele. Quando as dificuldades nos esmagam, temos dificuldade de nos lembrar daquilo que o Senhor fez por nós no passado e de confiar nele no presente e quanto ao futuro.
Mara
Os israelitas enfrentaram problemas muito rapidamente quando chegaram ao deserto. Apenas três dias após a grande libertação do Egito, o povo ficou sem água (Êxodo 15.22). Isso não era algo de pouca importância para um grande grupo de pessoas que procurava atravessar um deserto. Qualquer pessoa se abalaria com tal dilema, principalmente quando a vida de um número considerável de pessoas estava em jogo. O alívio deve ter inundado suas mentes e corações quando avistaram as águas de Mara. Eles devem ter se regozijado e agradecido a Deus à medida que corriam em direção à água e começavam a bebê-la sedentos. Porém, quando sentiram o gosto daquelas águas de Mara, descobriram que, para seu horror, eram amargas e não potáveis. Qual deve ter sido a sensação de estar tremendamente sedento e beber um enorme gole de água intragável, suja e amarga?
Como você acha que teria reagido? Sei como eu teria reagido: ficaria furiosa com Moisés, por sua péssima liderança, e zangada com Deus, por me provocar e atormentar, por fracassar em suprir as minhas necessidades na hora e do jeito que eu queria. Convivo com meu coração há muitos anos e conheço bem os seus caminhos. Os israelitas também resmungaram contra Moisés, mas Deus respondeu aos seus pecados de forma graciosa, dando a Moisés a solução (Êxodo 15.25). Deus queria que os israelitas, e nós também, percebessem quão rápido eles se esqueceriam de seu amor milagroso e libertador e se voltariam para o Senhor com medo.
Imagine, por um momento, que pudéssemos levar uma equipe de câmeras para a beira do Mar Vermelho e entrevistássemos alguns israelitas, logo após os egípcios terem sido afogados. “Com licença, senhor”, diríamos, “como este episódio miraculoso mudou a sua visão a respeito de Deus?” Certamente alguns, ou até mesmo a maioria, teriam dito algo assim: “Pensei que Deus havia nos esquecido e nos abandonado, mas agora sei que ele está conosco”. Talvez ousássemos um pouco mais, perguntando: “Você acha que algum dia, em muito tempo, você conseguiria se esquecer desse evento incrível?” E eles com certeza responderiam: “Como poderei me esquecer do que Des fez por nós esta noite?” Mas eles se esqueceram bem rapidamente. E nós também nos esquecemos!
Em Mara, Moisés atirou uma árvore nas águas. Elas se tornaram doces, e tudo voltou a ficar bem mais uma vez. Essa história se encerra com as promessas de Deus de não infligir as pragas do Egito sobre Israel se eles ouvissem diligentemente a sua voz e fizessem o que é reto, guardando os seus mandamentos: “Pois eu sou o Senhor, que te sara” (Êxodo 15.26). Nós nos maravilhamos com a paciência e o amor de Deus à medida que ele conduz os israelitas de Mara até Elim, o extraordinário lugar de doze fontes de água e setenta palmeiras (Êxodo 15.27). Ao invés de puni-los por suas murmurações e falta de fé, Deus lhes deu férias de luxo.
Contudo, apenas poucas semanas após deixarem o extravagante e exuberante oásis de Elim, os israelitas já estavam novamente murmurando contra Moisés e Aarão, desejando ardentemente a comida que haviam deixado para trás no Egito (Êxodo 16). A situação seria quase cômica, se não fosse tão triste e verdadeira em relação a nós também. Deus havia se movido poderosamente para libertar os israelitas do cativeiro cruel e opressivo, onde eram escravos e seus bebês estavam sendo mortos. Todavia, eles se esqueceram rapidamente da miséria de sua escravidão, lembrando-se apenas do que desejavam naquele instante e não tinham. Deus lhes deu o maná, alimento do qual gostaram muito por um tempo, até se enjoarem e começarem a reclamar (Números 11.4). Em seguida, Deus enviou-lhes codornizes em abundância, as quais eles amaram até se enjoarem delas (Números 11.19-20).
Algumas vezes, Deus nos revela o nosso coração dando-nos o que desejamos. Eu mesma sempre quis uma grande família. Sempre tive uma obsessão por bebês desde muito jovem e, até mesmo quando era uma missionária solteira, adotava temporariamente bebês abandonados e cuidava deles até que as famílias definitivas pudessem ser encontradas. Assim que me casei, queria desesperada e imediatamente ter filhos e com frequência atormentava meu marido com a questão do “deixe Deus decidir”. Como boa presbiteriana, eu sabia como as coisas funcionavam! Naquela ocasião, meu marido estava no seminário e queria esperar um tempo antes de ter filhos, mas, após dois anos, ele reconsiderou carinhosamente o assunto, e não passou muito tempo até que eu engravidasse. Eu adorava ter bebês! Estava profundamente satisfeita com a maternidade, à medida que minhas idolatrias iam sendo abençoadas vez após vez. Adorava ser o centro do universo para meus filhos. Era boa em descobrir os mistérios da alma de um recém-nascido e adorava ver o processo de crescimento acontecer. Eu amava cada detalhe da maternidade, por isso tive um bebê atrás do outro, num ritmo rápido. Na verdade, cheguei até a planejar outra gravidez, poucas horas após dar à luz um de meus filhos. Definitivamente, isso foi loucura!
Foi somente após o nosso quinto e mais novo filho iniciar seus estudos, que comecei a sentir a gravidade da situação e a me perguntar o que havíamos feito. Eu estava sobrecarregada com a quantidade de filhos que tinha para educar em casa, pois as escolas públicas de nossa região não eram satisfatórias, e não tínhamos condições financeiras para pagar uma educação particular. Estava sobrecarregada com as roupas para lavar, a comida para fazer e as necessidades emocionais, espirituais e educacionais de tantas crianças em fase de crescimento. Comecei a perceber quão tola, ridícula, arrogante e excessivamente confiante eu fora ao imaginar que seria capaz de cuidar bem de tantos filhos. O deserto das exigências exaustivas estava revelando o meu egoísmo, tolice, orgulho e fraqueza, e eu não tinha alegria em acampar. De uma maneira amorosa, Deus esmagou meu orgulho e excesso de confiança ao me dar, em abundância, o que eu tinha desejado desesperadamente e me mostrou como eu precisaria de sua graça, a cada momento, para sobreviver à sua generosa resposta aos meus pedidos.
Em outros momentos, como os israelitas em Mara, Deus revela o nosso coração negando aquilo que lhe pedimos. Eu tinha uma amiga que desejava ter bebês tanto quanto eu. Seu único objetivo na vida era se tornar uma verdadeira mãe e dona de casa, porém seu mundo foi lançado ao caos quando lhe disseram que ela jamais conceberia um bebê. Tínhamos a mesma idolatria, mas Deus trabalhou em nossos corações de maneiras diferentes. Ao negar o que ela queria, Deus lhe revelou a raiva que ela era capaz de sentir em relação a ele. Ela aprendeu que podia ser amarga, ressentida, invejosa e odiosa para com mulheres que pareciam ter facilidade em ter filhos, enquanto ela não podia. Aprendeu o quanto de sua identidade estava sendo investida em um sonho e como ela era tentada a adorar o ídolo da maternidade de diversas maneiras.
Eu aprendi as mesmas lições. Com tremenda vergonha e tristeza, aprendi que era capaz de odiar aquelas pequenas e preciosas crianças quando interrompiam meus planos ou revelavam meu pecado. Também era capaz de muita amargura, ressentimento, ciúme e raiva quando ficava sobrecarregada com as necessidades de meus pequenos pecadores que andam, respiram e fazem birras. Todos nós pecamos de maneiras conhecidas, porém há muitos caminhos aos quais Deus nos levará para nos revelar, de forma gradual, o nosso coração e nos trazer à humilhação e ao arrependimento. Em sua bondade, Deus equilibra doses variadas de deserto e oásis, dificuldades esmagadoras e paz que cura, até que venhamos a crer, por experiência, que, de fato e acima de tudo, o nosso coração é realmente enganoso e desesperadamente corrupto.
Nas experiências de vida no deserto, aprendemos que, como Jack Miller costumava dizer, somos mais pecadores do que jamais imaginamos ser e mais amados do que jamais ousaríamos esperar. Nosso pecado pode nos surpreender imensamente, contudo, jamais será uma surpresa para Deus. O pecado nos deixa cegos em relação a nós mesmos, levando-nos a acreditar que somos melhores do que realmente somos e melhores do que os outros. De uma forma amorosa, Deus abre os nossos olhos para que possamos nos arrepender e nos maravilhar com o fato de Cristo ter desejado deixar as glórias do céu para sofrer e morrer por grandes pecadores como nós. Quando estamos no deserto, a obediência de Cristo em nosso favor pode se tornar uma doutrina estimada. Quanto mais profundamente compreendemos o nosso pecado, tanto mais agradecidos somos pela perfeita obediência de nosso Salvador creditada a nós.
Extraído do site www.ministeriofiel.com.br
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